A morte do avô de Osho, Nana
Você está perguntando: Qual foi o evento que o fez voltar-se para o espiritual? Qual foi esse milagre?
Não houve tal evento. Acontece muitas vezes que algum evento ocorre e uma pessoa dá uma virada na vida. Também acontece de que, como um resultado do efeito coletivo de muitos eventos, a vida de uma pessoa é mudada. Na minha vida, não houve tal evento que possa ser indicado como tendo causado tal mudança. Entretanto, houve muitos eventos cujo impacto coletivo pode ter causado um ponto de mutação, mas quando isso aconteceu não pode ser determinado. Além do mais, eu não penso jamais em "volta para o espiritual". Eu já estava nessa direção. Eu não me lembro de nenhum dia em que eu não estivesse pensando no espiritual. Desde as minhas mais tenras memórias, eu estive pensando nisso.
Comumente uma coisa determinada algumas vezes desvia a mente de repente. Todavia, acredito que a mente, desviada em direção a alguma coisa devido a um único evento, pode fazer o movimento de volta também. Mas se o movimento for o resultado coletivo de muitos eventos, então, não há nenhuma reversão, porque esse movimento é mais profundo e penetrou muitas camadas da personalidade da pessoa. Assim como, com um simples empurrão, você pode ser forçado numa certa direção, assim também, um outro empurrão na direção oposta pode causar a sua volta ao ponto original.
Igualmente, a reversão em função de um único empurrão é um tipo de reação. Ela é possível, mas você não está completamente pronto para ela e você simplesmente está desviado. Quando o efeito daquele empurrão desaparecer, você pode retornar. Mas se cada momento da vida, lentamente e perseverantemente, o traz a um estado onde nem você mesmo é capaz de decidir como você chegou ali, então, retornar a partir de uma reação não é possível , pois a condição em que você se encontra, por assim dizer, se tornou parte da sua respiração.
Entretanto, uma memória na minha vida, que é digna de se lembrar, é a da morte. É difícil dizer o que eu possa ter pensado naquele dia.
Minha tenra infância se passou na casa de meus avós maternos e eu tinha um grande amor por eles. ... Eu entrei em contato com meu pai e minha mãe somente depois da morte do meu avô materno. Sua passagem e maneira como ela se deu tornou-se a primeira memória valiosa para mim, porque eu só a eles eu tinha amado e só deles tinha recebido amor. A passagem dele foi muito estranha. O vilarejo em que eles moravam ficava cerca de trinta e duas milhas distante de qualquer cidade. Não havia sequer um médico lá, nem um vaidya, uma pessoa que pratica medicina ayurvédica.
No primeiro ataque do meu avô, ele perdeu a fala. Por vinte e quatro horas ficamos esperando naquele vilarejo, que algo acontecesse. Mas não houve melhora. Eu me lembro do esforço dele na tentativa de dizer alguma coisa, mas ele não conseguia falar. Ele queria dizer algo, mas não podia dizê-lo. Por esse motivo, tivemos de levá-lo em direção a Gadarwara , num carro de boi. Lentamente, um após o outro, seus sentidos foram sumindo. Ele não morreu de uma vez, mas lenta e dolorosamente. Primeiramente, sua fala parou, depois, sua audição. Então, ele fechou os olhos também. Dentro do carro de boi, eu estava olhando tudo bem de perto - e havia uma longa distância de trinta e duas milhas para viajar.
O que quer que estivesse acontecendo parecia além de minha compreensão então. Essa foi a primeira morte testemunhada por mim, e eu nem sabia que ele estava morrendo. Mas lentamente todos os seus sentidos foram sumindo e ele ficou inconsciente. Quando já estávamos perto da cidade, ele já estava meio morto. Depois disso, ele não voltou à consciência, mas durante três dias ele continuou respirando. Ele morreu sem consciência.
Essa lenta perda de seus sentidos e, então, sua morte final tornaram-se muito profundamente gravadas na minha memória. Foi com ele que eu tive o meu mais profundo relacionamento. Para mim, ele era o único objeto de amor e, devido à sua morte, talvez, eu não tenha sido capaz de me sentir ligado a mais alguém tanto assim. Desde então, tenho estado sozinho.
A separação tem a sua própria beleza, assim como o encontro. Não vejo que haja nada de errado com a separação. A separação tem a sua própria poesia, e a pessoa precisa apenas aprender essa linguagem e vivê-la em sua profundidade. Então, a partir da própria tristeza vem um novo tipo de alegria... - que parece quase impossível, mas acontece. Eu a conheci. E é sobre isso que estava falando nesta manhã. Eu estava falando sobre a morte de meu Nana.
Foi uma separação total; não nos encontraríamos mais e, mesmo assim, havia ali uma certa beleza - e ele a tornou mais bela pela repetição do mantra. Ele a tornou mais devocional... ela se tornou fragrante. Ele era velho e estava morrendo, talvez de um severo ataque do coração. Não sabíamos o que era, pois o vilarejo não tinha médicos, nem mesmo um farmacêutico, ou remédios. Assim, ficamos sem saber a causa de sua morte, mas acho que foi um severo ataque cardíaco.
Perguntei-lhe em seu ouvido: "Nana, você tem algo a me dizer antes de sua partida? Algumas palavras finais? Ou você quer me dar algo para que eu me lembre de você para sempre?".
Ele tirou o seu anel e o colocou em minhas mãos. Esse anel está agora com algum saniássin; eu o dei a alguém. Mas aquele anel sempre foi um mistério. Durante toda a sua vida ele não permitia que ninguém visse o que estava dentro dele, e repetidamente ele o olhava. Aquele anel tinha uma janelinha de vidro em ambos os lados, de modo que se podia olhar através delas. Em cima havia um diamante, e em ambos os lados havia uma janelinha de vidro.
Ele não permitia que ninguém visse o que ele olhava através da janelinha. Dentro, havia uma estátua de Mahavira, o tirthânkara Jaina; uma imagem realmente bonita, e muito pequena. Devia ser uma figura muito minúscula de Mahavira, e aquelas duas janelinhas funcionavam como lentes de aumento. Elas a ampliavam, e ela parecia realmente enorme. Ela não tinha utilidade para mim, sinto em dizer; embora tenha tentado o mais que pude, nunca fui capaz de amar Mahavira tanto quanto amo Buda, apesar deles terem sido contemporâneos. ...
Eu estava lhes dizendo que, antes de morrer, meu avô me deu sua coisa mais querida - uma estátua de Mahavira oculta atrás do diamante de um anel. Com lágrimas nos olhos ele disse: "Não tenho mais nada para lhe dar, pois tudo o que tenho também lhe será tirado, da mesma forma como foi tirado de mim. Posso somente lhe dar o meu amor por aquele que conheceu a si mesmo.".
Embora não tenha guardado o seu anel, satisfiz o seu desejo. Eu conheci aquele, e o conheci em mim mesmo. Num anel, que importância tem? Mas o pobre velho, ele amava o seu mestre, Mahavira, e ele deu o seu amor a mim. Respeito o seu amor pelo seu mestre e por mim. As últimas palavras de seus lábios foram: "Não se preocupe, pois não estou morrendo.".
Todos nós ficamos ali esperando para ver se ele dizia mais alguma coisa, mas aquilo foi tudo. Seus olhos fecharam-se e ele se foi.
Ainda me lembro daquele silêncio. O carro de boi estava passando pelo leito de um rio; lembro-me exatamente de cada detalhe. Eu não disse nada; não queria perturbar a minha avó. Ela não disse nada. Alguns momentos se passaram; então, fiquei um pouco preocupado com ela, e disse: "Diga alguma coisa; não fique tão quieta, isso é insuportável.".
Vocês podem acreditar: ela cantou uma canção! Foi assim que aprendi que a morte deve ser celebrada. Ela cantou a mesma canção que cantou quanto ficou apaixonada pelo meu avô pela primeira vez.
Glimpses of a Golden Childhood, #6
Eu estava lhes contando que a morte de meu avô foi meu primeiro encontro com a morte. Sim, um encontro e algo mais; não apenas um encontro, caso contrário, eu teria perdido o real significado dela. Vi a morte e algo mais que não estava morrendo, que estava flutuando acima dela, escapando do corpo... os elementos. Esse encontro determinou todo o meu curso de vida; ele me deu uma direção, ou melhor, uma dimensão que, antes, não era conhecida por mim.
Tinha ouvido falar da morte de outras pessoas, mas somente tinha ouvido falar. Eu não tinha visto, e mesmo se tivesse visto, elas nada significariam para mim.
A menos que se ame a pessoa e, depois, ela morra, não se pode realmente deparar-se com a morte. Deixe que isto seja salientado: pode-se deparar com a morte, somente na morte de uma pessoa amada.
Quando o amor mais a morte o envolvem, há uma transformação, uma imensa mutação, como se um novo ser nascesse. Você nunca mais é o mesmo. Mas as pessoas não amam e, como não amam, não podem vivenciar a morte da maneira que a vivenciei. Sem amor, a morte não lhe dá as chaves da existência; com amor, ela coloca sobre você as chaves de tudo o que existe.
Minha primeira experiência de morte não foi um simples encontro; ela foi complexa de muitas maneiras. O homem que eu amava estava morrendo; eu o conhecia como meu pai. Ele me educou com absoluta liberdade, sem inibições, sem supressões e sem nenhum mandamento. ...
Amor com liberdade - se você o tiver, você é um rei, ou uma rainha. Esse é o verdadeiro reino de Deus, amor com liberdade. O amor lhe dá as raízes fixas à terra, e a liberdade lhe dá as asas.
Meu avô me deu ambos: deu-me o seu amor, mais do que jamais deu à minha mãe ou mesmo à minha avó; e deu-me liberdade, que é a dádiva maior. Quando ele estava morrendo, ele me deu o seu anel, e com uma lágrima no olho me disse: "Não tenho mais nada para lhe dar.".
Eu falei: "Nana, você já me deu o presente mais precioso.".
Ele abriu os olhos e perguntou: "Qual?".
Eu ri e disse: "Você se esqueceu? Você me deu o seu amor e a liberdade. Acho que nenhuma criança teve uma tal liberdade como a que você me deu. O que mais preciso? O que mais você pode me dar? Sou grato; você pode morrer em paz.". Desde então, vi muitas pessoas morrerem, mas é realmente muito difícil morrer em paz. Vi somente cinco pessoas morrerem em paz: a primeira foi o meu avô, a segunda foi o meu empregado Bhoora, a terceira foi nani, a quarta o meu pai e a quinta Vimalkirti .
Glimpses of a Golden Childhood, #13
Tvadiyam vastu Govinda, tubhyam eva samarpayet: "Meu Senhor, esta vida que você me deu, eu a devolvo a você com o meu agradecimento.". Essas foram as últimas palavras de meu avô, embora ele nunca tenha acreditado em Deus e não fosse hindu. Essa sentença, esse sutra, é hindu, mas na Índia as coisas estão misturadas, principalmente as boas. Antes que ele morresse, entre outras coisas ele dizia uma coisa repetidamente: "Pare a roda.".
Naquele tempo, não pude compreender... Se parássemos a roda do carro de boi, e aquela era a única roda que havia, então, como poderíamos chegar ao hospital? Quando ele insistentemente repetia "pare a roda, o chakra", perguntei à minha avó: "Ele ficou louco?". Ela riu.
Era isso o que eu gostava naquela mulher. Muito embora ela soubesse, como eu sabia, que a morte estava tão próxima... - se até mesmo eu sabia, como seria possível que ela não soubesse? Era tão aparente, que a qualquer momento ele pararia de respirar e, mesmo assim, ele insistia em parar a roda. Contudo, ela riu; posso ver a sua risada agora.
Ela não tinha mais do que cinqüenta anos de idade, mas sempre observei algo estranho a respeito das mulheres: as falsas, que fingem ser belas, na idade de quarenta e cinco anos são as mais feias. Vocês podem percorrer o mundo e perceber o que estou dizendo. Com todos os batons e maquiagens, sobrancelhas falsas e não sei mais o quê... meu Deus!
Nem mesmo Deus pensou nessas coisas quando criou o mundo, pelo menos, não é mencionado na Bíblia que, no quinto dia, ele criou o batom, e no sexto as sobrancelhas falsas e et cetera. Na idade de quarenta e cinco anos, se a mulher for realmente bonita, ela chega a seu auge. Minha observação é esta: o homem chega a seu auge na idade de trinta e cinco anos, e a mulher na idade de quarenta e cinco. Ela é capaz de viver dez anos mais que o homem, e isso não é injusto. Ao dar nascimento aos filhos, ela sofre tanto, que um pouco de vida extra, apenas para compensar, está perfeitamente bem.
Minha Nani tinha cinqüenta anos, e ainda no auge de sua beleza e juventude. Jamais me esqueci daquele momento - foi um grande momento! Meu avô estava morrendo e nos pedindo para pararmos a roda. Que absurdo! Como eu poderia parar a roda!? Tínhamos que chegar no hospital, e sem a roda ficaríamos perdidos na floresta. E a minha avó estava rindo tão alto que até Bhoora, o empregado, nosso motorista, perguntou - é claro que do lado de fora: "O que está acontecendo? Por que você está rindo?". Por eu chamá-la de Nani, Bhoora também costumava chamá-la assim, simplesmente por respeito a mim. Ele disse então: "Nani, meu patrão está doente e você está rindo tão alto; o que há? E por que Rajá está tão quieto?".
A morte e a gargalhada de minha avó, ambas me deixaram completamente silencioso, pois queria entender o que estava acontecendo. Acontecia algo, que eu nunca tinha conhecido antes, e eu não iria perder um único momento com alguma distração.
Meu avô disse: "Pare a roda. Rajá, você não pode me ouvir? Se eu posso ouvir a gargalhada de sua avó, você deve ser capaz de me ouvir. Sei que ela é uma mulher estranha; nunca fui capaz de entendê-la.".
Eu lhe disse: "Nana, pelo que eu saiba, ela é a mulher mais simples que já vi, embora ainda não tenha visto muitas.".
Mas agora, posso dizer a vocês, não acho que exista algum homem sobre a terra, vivo ou morto, que tenha visto tantas mulheres como eu. Mas apenas para consolar meu avô moribundo, eu lhe disse: "Não se preocupe com a risada dela. Eu a conheço, ela não está rindo do que você está dizendo; trata-se de uma outra coisa entre a gente, uma piada que lhe contei.".
Ele disse: "Tudo bem, se foi uma piada que você lhe contou, então, está perfeitamente bem que ela ria. Mas e a respeito do chakra, da roda?".
Agora eu sei, mas naquele tempo eu estava absolutamente não-familiarizado com tal terminologia. A roda representa toda a obsessão indiana com a roda da vida e da morte. Por milhares de anos, milhões de pessoas têm feito somente uma coisa: tentado parar a roda. Ele não estava se referindo à roda do carro de boi - aquilo era muito fácil de parar; na verdade, era difícil mantê-la se movendo. Não havia estrada, e não somente naquele tempo, mas até hoje! Não havia nenhuma estrada, e até hoje nenhuma linha ferroviária passa por aquela aldeia. Ela realmente é uma aldeia pobre, e quando eu era criança ela era ainda mais pobre.
Naquele momento não pude compreender por que meu Nana estava tão insistente. Talvez o carro de boi - por não haver estrada - estivesse fazendo muito barulho. Tudo estava chacoalhando, e ele estava em agonia; então, naturalmente talvez ele quisesse parar a roda. Mas a minha avó riu. Agora sei porque ela riu. Ele estava falando sobre a obsessão indiana com a vida e a morte, simbolicamente, chamada de a roda da vida e da morte - em resumo, a roda -, que vai girando sem parar.
Todo o Mahabharata nada mais é do que a obsessão escrita por extenso, volumosamente, dizendo que o ser humano nasce repetidamente, eternamente.
É por isso que o meu avô dizia "pare a roda". Se eu pudesse parar a roda eu a teria parado, e não somente para ele, mas para todos do mundo. E não somente a teria parado, mas a teria destruído para sempre, de tal modo que ninguém pudesse girá-la novamente. Mas isso não está em minhas mãos.
Mas por que essa obsessão?
Tomei ciência de muitas coisas naquele momento de sua morte. Falarei de tudo que fiquei consciente naquele momento, pois isso determinou toda a minha vida.
Glimpses of a Golden Childhood, 14
A morte não é o fim, mas somente o auge de toda a vida da pessoa, um clímax. Não é que você esteja acabado, mas você é transportado para um outro corpo. É isso o que os orientais chamam de "a roda". Ela segue girando e girando. Sim, ela pode ser interrompida, mas a maneira de interrompê-la não se dá quando você está morrendo.
Essa é uma das lições, a maior lição que aprendi da morte de meu avô. Ele estava chorando, com lágrimas nos olhos e nos pedindo para parar a roda. Estávamos sem saber o que fazer: como parar a roda?
A roda dele era a roda dele; ela não era nem mesmo visível para nós. Ela era sua própria consciência, e somente ele poderia fazer aquilo. Uma vez que ele estava nos pedindo para pará-la, era óbvio que ele não conseguia fazê-lo por si mesmo; daí as lágrimas e a constante insistência em nos pedir repetidamente, como se fôssemos surdos. Nós lhe dissemos: "Nós o ouvimos, nana, e entendemos. Por favor, fique quieto.".
Naquele momento algo grandioso aconteceu. Nunca o revelei a ninguém; talvez antes deste momento não fosse a hora. Eu estava dizendo a ele: "Por favor, fique quieto." - o carro de boi estava chacoalhando na estrada feia e acidentada. Não era nem mesmo uma estrada, era apenas uma trilha, e ele estava insistindo: "Pare a roda, Rajá, você ouviu? Pare a roda!".
Repetidamente eu lhe dizia: "Sim, eu o escuto. Entendo o que você quer dizer. Você sabe que ninguém, exceto você, pode parar a roda, então, por favor, fique em silêncio. Tentarei ajudá-lo.".
Minha avó ficou perplexa. Ela olhou para mim com os olhos arregalados e surpresos: o que eu estava dizendo? Como eu poderia ajudar?
Eu disse: "Sim. Não fique tão perplexa. Lembrei-me de repente de uma de minhas vidas passadas. Vendo a morte dele, lembrei-me de uma de minhas próprias mortes.". Aquela vida e morte aconteceram no Tibete. Aquele é o único país que sabe, muito cientificamente, como parar o roda. Então comecei a cantar alguma coisa.
Nem a minha avó podia entender, nem o meu avô moribundo, nem o meu empregado Bhoora, que estava escutando atentamente do lado de fora. E ainda mais, nem eu pude entender uma única palavra do que eu estava cantando. Foi somente depois de doze ou treze anos que pude entender o que era aquilo. Levou esse tanto de tempo para eu descobrir. Era o Bardo Thodal, um ritual tibetano.
Quando uma pessoa morre no Tibete, eles repetem um certo mantra; esse mantra é chamado de bardo. O mantra diz: "Relaxe, fique em silêncio. Vá para o seu centro, fique lá; não saia de lá, não importa o que aconteça a seu corpo. Seja simplesmente uma testemunha; deixe acontecer, não interfira. Lembre-se... lembre-se... lembre-se de que você é somente uma testemunha; essa é a sua verdadeira natureza. Se você puder morrer lembrando-se, a roda pára.".
Repeti o Bardo Thodal para meu moribundo avô sem mesmo saber o que eu estava fazendo. Foi estranho, não somente por tê-lo repetido, mas também por ele ter ficado completamente em silêncio escutando-o. Talvez a língua tibetana seja algo muito estranho de se ouvir. Ele talvez nunca tenha ouvido uma única palavra tibetana antes; ele pode nem mesmo ter sabido que existia um país chamado Tibete. Mesmo assim, em sua morte ele ficou absolutamente atento e silencioso. O bardo funcionou, embora ele não pudesse compreendê-lo. Algumas vezes funcionam coisas que a gente não entende; elas funcionam justamente porque a gente não compreende. ...
Eu estava repetindo o bardo, embora não entendesse o seu significado e nem soubesse de onde ele estava vindo, pois não o havia lido ainda. Mas quando o repeti, apenas o choque daquelas estranhas palavras fizeram o meu avô silenciar. Ele morreu naquele silêncio.
Viver em silêncio é belo, mas morrer em silêncio é muito mais belo, pois a morte é como um Everest, o pico mais alto dos Himalaias. Embora ninguém tenha me ensinado, aprendi muito naquele momento de seu silêncio. Vi a mim mesmo repetindo algo absolutamente estranho. Isso me levou abruptamente a um novo plano de ser e me empurrou para uma nova dimensão. Comecei uma nova busca, uma peregrinação.
Glimpses of a Golden Childhood, #15
No momento em que meu nana morreu, minha avó ainda ria a última centelha da sua risada. Então, ela se controlou. Ela era, certamente, uma mulher que podia se controlar. Mas eu não fiquei impressionado com o seu controle: eu fiquei impressionado com a risada dela diante da morte.
Eu lhe perguntava sempre: "Nani, você pode me dizer por que você riu tão alto quando a morte estava tão eminente? Se até mesmo uma criança como eu estava atenta a ela, não é possível que você não estivesse atenta.".
Ela disse: "Eu estava atenta, foi por isso que ri. Eu ri do pobre homem tentando parar a roda sem necessidade nenhuma, porque, no fim das contas, nem o nascimento, nem a morte significam alguma coisa.".
Eu tive de esperar pelo tempo em que eu pudesse questionar e discutir com ela. Quando eu mesmo me tornei iluminado, pensei: "agora vou perguntar a ela". E foi o que fiz.
Glimpses of a Golden Childhood, #16
Aquele foi meu primeiro encontro com a morte, e foi um belo encontro. De forma nenhuma foi feio, como mais ou menos acontece para quase todas as crianças do mundo. Felizmente, fiquei junto com o meu avô moribundo durante horas; e ele morreu lentamente. Aos poucos, pude sentir a morte acontecendo a ele, e pude perceber o grande silêncio dela.
Também fui felizardo por minha nani estar presente. Talvez, sem ela, eu pudesse perder a beleza da morte, pois o amor e a morte são muito semelhantes, talvez iguais. Ela me amava, ela derramava o seu amor sobre mim, e a morte estava presente, acontecendo lentamente...
Um carro de boi... - ainda posso ouvir o seu som... os ruídos de suas rodas sobre as pedras... Bhoora continuamente gritando para os bois... o som de seu chicote atingindo-os... ainda posso ouvir tudo... Isso está tão profundamente enraizado em minha experiência a ponto de eu achar que nem mesmo a minha morte vai apagá-lo. Até mesmo enquanto eu estiver morrendo, poderei novamente ouvir o som daquele carro de boi.
Minha nani estava segurando a minha mão, e eu estava completamente atordoado, sem saber o que estava acontecendo, totalmente vivendo aquele momento.
A cabeça de meu avô estava sobre o meu colo. Eu mantinha as minhas mãos sobre o seu peito, e muito lentamente a respiração foi desaparecendo. Quando senti que ele não estava mais respirando, disse à minha avó: "Sinto muito, nani, mas parece que ele não está mais respirando.".
Ela disse: "Isso está perfeitamente bem. Você não precisa se preocupar. Ele viveu o bastante, não há necessidade de pedir por mais.". Ela também me disse: "Lembre-se, pois esses são os momentos que não devem ser esquecidos: nunca peça por mais. O que é, é suficiente.".
Glimpses of a Golden Childhood, #12
Desde o dia em que meu avô materno morreu, a morte tornou-se uma constante companhia para mim. Eu tinha apenas sete anos de idade quando ele morreu. Ele morreu no meu colo. (...)
Depois disso, a morte tornou-se uma companhia constante para mim. Naquele dia, eu também morri, porque uma coisa ficou certa, que, quer você viva sete anos ou setenta anos - ele tinha setenta anos - o que importa é que você tem de morrer.
Meu avô era um homem raro. Eu não posso imaginá-lo dizendo uma mentira, quebrando uma promessa, nem julgando alguém como mau.
Um homem tão bom, um homem belo, simplesmente morreu. Qual foi o significado de sua vida? Essa se tornou uma questão torturante para mim - qual era o significado? O que ele havia alcançado? Durante setenta anos, ele viveu a vida de um homem bom; mas qual era a finalidade daquilo tudo? Aquilo simplesmente terminou... não sobrou nem um traço. A morte dele me deixou imensamente sério.
Eu já era sério mesmo antes de sua morte. Com a idade de quatro anos, eu comecei a pensar nos problemas que as pessoas de algum modo iam adiando até o fim. Eu não acredito em adiamento. Eu comecei a fazer perguntas ao meu avô materno e ele dizia: "Essas perguntas! Você tem a vida toda pela frente. Não há pressa e você é muito novo!".
Eu disse: "Eu vi garotos morrendo na vila; eles não fizeram essas perguntas, morreram sem descobrir a resposta. Você pode me garantir que eu não morrerei amanhã, ou depois de amanhã? Pode me garantir que eu morrerei somente depois de descobrir a resposta?".
Ele disse: "Eu não posso garantir isso, porque a morte não está em minhas mãos, nem a vida está em minhas mãos."
"Então" - eu disse -, "você não deveria me sugerir um adiamento. Quero a resposta agora. Se você sabe, então, diga que sabe e me dê a resposta. Se você não sabe, então, não fique sem jeito em aceitar sua ignorância.".
Logo ele percebeu que comigo não havia nenhuma alternativa. Ou tinha de dizer "sim"... Mas isso não era fácil então: então, ele teria de entrar em profundos detalhes sobre aquilo - e ele não podia me enganar. Ele começou a aceitar sua ignorância, que ele não sabia.
Eu disse: "Você é muito velho, logo morrerá. O que você esteve fazendo durante toda a sua vida? No momento da morte, você terá somente sua ignorância em suas mãos e nada mais. E essas são perguntas vitais - não estou perguntando nada trivial".
"Você vai ao templo. Eu lhe pergunto por que você vai ao templo - descobriu alguma coisa no templo? Você foi lá a sua vida toda e tenta me persuadir a ir com você para o templo.".
O templo tinha sido construído por ele. Um dia ele aceitou que a verdade era esta: "Porque eu fiz o templo. Se nem eu for lá, então, quem irá? Mas diante de você, eu aceito que isso é fútil. Andei indo lá durante toda a minha vida e não ganhei nada.".
Então, eu disse: "Tente outra coisa. Não morra com essa questão - morra com a resposta.". Mas ele morreu com a questão.
A última vez que ele falou comigo, quase dez horas antes de ele morrer, ele abriu os olhos e disse: "Você estava certo: adiar não é certo. Estou morrendo com todas as perguntas comigo. Assim, lembre-se, seja o que for que eu estava sugerindo a você, estava errado. Você estava certo, não adie. Se surgir uma pergunta, tente descobrir a resposta tão depressa quanto possível.".
From Personality to Individuality, # 23
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