A experiência do desapego
Eu estava lhes falando ontem, sobre um astrólogo que prometeu trabalhar em meu mapa natal. Ele morreu antes de fazê-lo. Então, seu filho teve de preparar o mapa, mas ele também ficou intrigado. Ele disse: "É quase certo que esta criança morrerá aos vinte e um anos. A cada sete anos, ela terá de encarar a morte.". Assim, meus pais, minha família, estiveram sempre preocupados com a minha morte. Sempre que eu chegava a um fim de ciclo de sete anos, eles ficavam com medo. E ele estava certo. Aos sete anos eu sobrevivi, mas eu tive uma profunda experiência de morte - não a minha própria, mas a morte de meu avô materno. E eu era tão ligado a ele, que sua morte parecia ser a minha própria morte.
No meu próprio jeito de criança, eu imitei a sua morte. Eu não comi por três dias consecutivos, não bebi água, porque eu sentia que se eu o fizesse seria uma traição. Eu o amava tanto, ele me amava tanto, que, enquanto ele esteve vivo, eu jamais tive permissão de ir para a casa dos meus pais - eu ficava com o meu avô materno. Ele dizia: "Quando eu morrer, somente então, você pode ir.". Ele vivia em um vilarejo muito pequeno; assim, eu não podia ir para nenhuma escola, porque não havia escola. Ele nunca se separou de mim, mas, então, chegou o momento em que ele morreu. Ele era parte e parcela de mim. Eu cresci com sua presença, seu amor.
Quando ele morreu, eu senti que comer seria uma traição. Agora eu não queria viver; isso era infantil, mas, através disso, alguma coisa muito profunda aconteceu. Por três dias, eu permaneci deitado; eu não queria sair da cama. Eu disse: "Agora que ele está morto eu não quero viver.". Eu sobrevivi; mas aqueles três dias se tornaram uma experiência de morte. Eu morri de certa maneira, e eu compreendi - agora eu posso falar sobre isso, embora naquele tempo aquilo fosse apenas uma experiência vaga - eu vim a sentir que a morte é impossível. Isso era uma sensação.
A facticidade da solidão tomou conta de mim dos sete anos em diante. A solidão tornou-se minha natureza. Sua morte livrou-me para sempre de todos os relacionamentos. Sua morte tornou-se para mim a morte de todos os apegos. Daí em diante, eu não pude estabelecer um vínculo de relacionamento com ninguém. Sempre que um relacionamento meu com alguém começasse a ficar íntimo, aquela morte me fixava. Portanto, com quem quer que eu experienciasse algum apego, eu sentia que, se não fosse hoje, amanhã aquela pessoas também podia morrer.
Uma vez que uma pessoa torna-se claramente ciente da certeza da morte, então, a possibilidade de apego é diminuída na mesma proporção. Em outras palavras, nossos apegos estão baseados no esquecimento do fato da morte. Seja quem for que amemos, continuamos a acreditar que a morte não é inevitável. Eis por que falamos de amor imortal. É nossa tendência acreditar que aquele que amamos, não morrerá.
Mas, para mim, o amor, invariavelmente, tornou-se associado à morte. Isso queria dizer que eu não era capaz de amar sem estar ciente da morte. Pode haver amizade, pode haver compaixão, mas nenhuma fascinação por qualquer coisa pode me pegar. A morte me tocou muito profundamente - e tão intensamente, que, quanto mais eu pensava nela, isso ficava cada vez mais e mais claro para mim, a cada dia.
Assim, a loucura da vida não me afetou. A morte brilhou para mim antes que o impulso dentro da vida começasse. Este evento pode ser considerado como o primeiro que deixou um profundo impacto e uma profunda influência na minha mente. Daquele dia em diante, todos os dias, a cada momento, a consciência da vida invariavelmente ficou associada com a consciência da morte. Daí em diante, ser ou não ser teve o mesmo valor para mim. Naquela tenra idade, a solidão apoderou-se de mim.
Mais cedo ou mais tarde, na vida - na velhice - a solidão apodera-se de todo mundo. Mas ela apoderou-se de mim antes de eu saber o que significava companhia. Eu posso viver com qualquer um, mas quer esteja numa multidão ou numa sociedade, com um amigo ou uma pessoa íntima, eu ainda estou sozinho. Nada me toca; permaneço intocável.
À medida que aquela primeira sensação de solidão tornou-se cada vez mais e mais profunda, algo novo começou a acontecer na vida. No começo, aquela solidão me fez somente infeliz, mas, lentamente, aquilo começou a se transformar em felicidade - porque é uma regra que, quando ficamos apegados a alguém ou a qualquer coisa, de um jeito ou de outro acabamos escapando do encontro consigo mesmo. Realmente, o desejo de permanecer apegado a alguém ou a algo é um artifício para escapar de si mesmo. E, à medida que o outro vai ficando cada vez mais e mais importante para nós, na mesma medita ele se torna o centro para nós e nós nos tornamos a periferia.
Nós permanecemos centrado no outro por toda a vida. Então, o próprio eu da pessoa jamais pode tornar-se o centro. Para mim, a possibilidade de qualquer pessoa tornar-se o meu centro foi destruída nos primeiros passos da minha vida. O primeiro centro que foi formado, se quebrou, e não houve nenhum outro meio que não fosse reverter para meu próprio eu. Eu fui, por assim dizer, jogado de volta ao meu próprio ser. Lentamente, isso me fez cada vez mais e mais feliz. Depois, eu vim a sentir que essa observação íntima da morte numa tenra idade, tornou-se uma bênção em disfarce para mim. Se tal morte tivesse ocorrido numa idade posterior, talvez, eu tivesse encontrado outros substitutos para meu avô.
Assim, quanto mais imaturo e inocente for a mente, mais difícil se torna substituir um objeto de amor. Quanto mais engenhosa, habilidosa, esperta e calculista a mente se torna, mais fácil se torna repor ou substituir um outro pelo perdido. Quanto mais rapidamente você repõe, mais cedo você fica livre da infelicidade derivada do primeiro. Mas não foi possível para mim encontrar um substituto, naquele mesmo dia em que a morte ocorreu.
As crianças não são capazes de descobrir um substituto facilmente. O lugar do objeto de amor que está perdido permanece vazio. Quanto mais velho você for, mais depressa você pode encher a vacuidade, porque, então, a pessoa pode pensar. Uma lacuna no pensamento pode ser preenchida rapidamente, mas o vazio emocional não pode ser preenchido rapidamente. Um pensamento pode persuadir a pessoa mais rapidamente, mas o coração não pode. E, numa tenra idade, quando a pessoa não é capaz de pensar, mas é capaz somente de sentir, a dificuldade é maior.
Por esse motivo, o outro não pôde se tornar importante para mim, no sentido de que pudesse me salvar de mim mesmo. Assim, eu tive de viver comigo mesmo somente. No começo, isso pareceu me dar infelicidade, mas lentamente começou a me dar a experiência da felicidade. Daí em diante, eu não sofri nenhuma infelicidade.
A causa da infelicidade repousa no nosso apego com o outro, na expectativa em relação ao outro, na esperança de ganhar a felicidade vinda do outro. Você jamais ganha realmente a felicidade, mas a esperança fica sempre alimentada. E sempre que essa esperança se desfaz, começa a frustração.
Assim, logo na primeira experiência, eu fui tão pessimamente desapontado pelo outro, que não tentei novamente. A direção foi fechada para mim e, assim, daí em diante eu nunca fiquei infeliz. Então, um novo tipo de felicidade começou a ser experienciada, que nunca vem do outro. A felicidade nunca pode vir do outro - o que é criado é somente uma esperança para uma futura felicidade. Realmente, somente a sombra da felicidade é recebida.
Exatamente o contrário é a situação no encontrar-se a si mesmo pela primeira vez. Quando se encontra a si mesmo, a infelicidade é experienciada no começo, mas a autêntica felicidade vai surgindo progressivamente à medida que o encontro continua. Ao contrário, encontrar o outro dá felicidade no começo, mas infelicidade no fim.
Assim, para mim, ser jogado para si mesmo é o começo da jornada em direção ao espiritual. A forma como somos atirados de volta para si mesmo é um outro assunto. A vida dá muitas oportunidades para sermos atirados de volta para nós mesmo. Mas, quanto mais engenhosos somos, mais rápidos somos em nos salvar de tais oportunidades. Nesses momentos, nós saímos de nós mesmos.
Se minha esposa morre, eu imediatamente vou em busca e, então, me caso com outra. Se perco um amigo, começo a procurar por um outro. Não posso deixar nenhuma lacuna. Ao encher a lacuna, a oportunidade que eu teria tido para reverter e voltar para mim mesmo é perdida num momento, junto com suas imensas possibilidades.
Se eu tivesse me tornado interessado no outro, teria perdido a oportunidade da jornada em direção a mim mesmo. Eu me tornei uma espécie de estranho para os outros. Geralmente, é na tenra idade que nos tornamos relacionados com o outro, quando somos admitidos na sociedade. Essa é a idade em que somos iniciados, por assim dizer, pela sociedade, que quer nos absorver. Mas eu nunca fui iniciado dentro da sociedade. Simplesmente não pôde acontecer. Sempre que eu entrei numa sociedade, eu entrei como um indivíduo e permaneci distante, separado como uma ilha.
Não me lembro de haver cultivado alguma amizade, embora houvesse muitos que quisessem ser meus amigos. Muitas pessoas fizeram-se amigos meus, e eles gostavam de fazer amizade comigo, porque não era possível fazer de mim um inimigo. Mas eu não me recordo de alguma vez ter ido por minha conta fazer alguma amizade. Se alguém se dirigisse a mim, era uma outra coisa. Não é que eu nunca tenha saudado uma amizade. Se alguém faz de mim um amigo, eu saúdo isso com totalidade. Mas mesmo assim, eu não pude me tornar um amigo no senso comum. Sempre permaneci distante.
Em resumo, mesmo enquanto estudava na escola, eu permaneci distante. Nem com nenhum dos meus professores, nem com qualquer colega, nem com nenhum outro, eu pude desenvolver um tal relacionamento que me envolvesse ou quebrasse meu jeito de ilha. Os amigos vinham e também ficavam comigo. Eu encontrei muitas pessoas também: tive muitos amigos. Mas, do meu lado, não havia nada que pudesse me fazer dependente deles ou que me fizesse lembrar deles.
É muito interessante notar que eu não me lembro de ninguém. Jamais aconteceu de eu me sentar pensando em alguém com o sentimento de que se nos encontrássemos seria muito bom. Se alguém me encontra, isso me faz feliz, mas eu não fico infeliz por não encontrar alguém.
Por este estado de alegria definitiva, acredito que somente a morte de meu avô tenha sido responsável. Aquela morte atirou-me de volta a mim mesmo permanentemente. Eu não fui capaz de sair mais do meu centro. Devido a essa condição de permanecer um forasteiro, um estrangeiro, eu vivi uma nova dimensão da experiência. Trata-se de uma condição na qual, embora esteja no meio de todo mundo, eu permaneço um forasteiro.
Dimensões Além do Conhecido, #5
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