Uma família indiana
Eu queria voltar para a aldeia de Kuchwada, mas ninguém estava pronto a me apoiar. Eu não podia conceber como poderia viver lá sozinho, sem meu avô, minha avó, ou Bhoora. Não, não era possível; assim, relutantemente, eu disse: "Está bem, eu ficarei na aldeia dos meus pais.". Mas minha mãe, naturalmente, queria que eu ficasse com ela e não com a minha avó, que, desde o começo, tinha deixado claro que ficaria na mesma aldeia, mas separadamente. Encontraram para ela, uma pequena casa num lugar muito lindo, perto do rio.
Minha mãe insistiu para que eu ficasse com ela. Por cerca de sete anos, eu não tinha vivido com a minha família. Mas minha família não era algo pequeno, era um conglomerado... - tanta gente! Todos os tipos de gente: meus tios, minhas tias, seus filhos e os pais do meu tio... e por aí vai.
Na Índia, a família não é a mesma coisa que no Ocidente. No Ocidente, ela é singular: o marido, a esposa, um, dois ou três filhos. No máximo, pode haver cinco pessoas numa família. Na Índia, as pessoas ririam - "Cinco?! Somente cinco?". Na Índia, a família é incontável. Há centenas de pessoas. Hóspedes vem para visitar e nunca se vão, e ninguém lhes diz "por favor, está na hora de vocês partirem", porque, na verdade, ninguém sabe de quem eles são hóspedes.
O pai pensa: "Talvez eles sejam parentes da minha mulher; então, é melhor ficar quieto.". A mãe pensa: "Talvez eles sejam parentes do meu marido"... Na Índia, é possível entrar em uma casa, onde você não possui parentesco algum, absolutamente; e se você ficar de bico calado, você pode morar lá para sempre. Ninguém vai mandá-lo sair; todos vão pensar que um dos outros o convidou. Você tem apenas de ficar quieto e manter o sorriso. ...
Eu não queria entrar para aquela família, e eu disse à minha mãe: "Ou eu volto para a aldeia sozinho - a carroça está pronta, e eu sei o caminho; chegarei lá de algum modo. E eu conheço os aldeãos: eles ajudarão uma criança. E é apenas uma questão de uns poucos anos e, depois, eu vou retribuir-lhes o mais que eu puder. Mas eu não posso morar com esta família. Isto aqui não é uma família, é um bazar!".
E era realmente um bazar, um burburinho constante, muita gente, sem nenhum espaço, absolutamente, sem nenhum silêncio. Se um elefante pulasse naquele tanque antigo, ninguém teria ouvido o ploc; era coisa demais acontecendo. Eu simplesmente recusei, dizendo: "Se eu tiver que ficar, então, a única alternativa é eu ficar com minha nani.".
Minha mãe, é claro, ficou magoada. Eu sinto muito, pois, desde então, eu a tenho magoado cada vez mais. Mas eu não podia fazer nada. Na verdade, não fui o responsável: a situação era de tal ordem, que eu não poderia viver naquela família, após tantos anos de absoluta liberdade, silêncio e espaço. Na verdade, na casa da minha nani eu era o único que se ouvia. Meu nana estava a maior parte do tempo em silêncio recitando seu mantra e, é claro, minha avó não tinha mais ninguém com quem falar.
Eu era o único a que falava ali. De outro modo, havia silêncio. Depois de anos de tal beatitude, ir viver naquilo que se chamava família, um ligar cheio de rostos não familiares, tios e seus sogros, primos... - que multidão! Não se conseguia saber quem era quem! Mais tarde, cheguei a achar que alguém devia escrever um livro sobre a minha família, um "Quem é Quem" ...
Eu queria retornar à aldeia mas não podia. Tive que chegar a um acordo apenas para não magoar a minha mãe. Mas eu sei que a tenho magoado - realmente magoado. Tudo que ela queria, eu nunca fiz; na verdade, fiz o oposto. Naturalmente, aos poucos ela me aceitou, como alguém que estava perdido para ela. ...
Eu não consegui viver na família, de acordo com eles. Tinha sempre alguém parindo; todas as mulheres estavam quase sempre grávidas. Sempre que lembro da minha família, de repente, penso em entrar em pânico, apesar de não poder entrar em pânico - apenas adoro a idéia de entrar em pânico. Todas as mulheres estavam sempre com barrigas imensas. Uma gravidez acabava, outra começava - e eram tantas crianças!
"Não" - eu disse para minha mãe -, "eu sei que você fica magoada e eu sinto muito, mas irei morar com a minha avó. Ela é a única que pode me compreender e me permitir não apenas o amor, mas liberdade também.
Glimpses of a Golden Childhood, #19
Todo mundo nasce numa família. Eu nasci numa família. E, na Índia, há família afiliadas, famílias enormes. Na minha família, devia haver de cinqüenta a sessenta pessoas - todos os primos, tios, todas as tias vivendo juntos. Eu via aquela confusão toda. Na verdade, aquelas sessenta pessoas me ajudaram a não criar minha própria família. Aquela experiência foi suficiente.
Se você é suficientemente inteligente, você aprende com erros das outras pessoas. Se você não for inteligente, então, você não aprende nem com os seus próprios erros. Assim, eu aprendi com os erros de meu pai, os erros de minha mãe, dos meus tios, das minhas tias. Era uma família grande e eu vi aquele circo todo, a miséria, o conflito permanente, as lutas sobre as menores coisas, sem significado. Desde a minha mais tenra infância, uma coisa tornou-se decisiva em mim: que eu não iria criar uma família minha.
Ficava surpreso com o fato de que todo mundo nasce numa família... e continua criando uma família. Mesmo vendo toda aquela cena, continua a repeti-la.
Socrates Poisoned Again After 25 Centuries, # 5