Osho e seu pai
Os primeiros sete anos são os mais importantes na vida - nunca mais você terá aquele tanto de oportunidade novamente. Aqueles sete anos decidem seus setenta anos, todos as pedras fundamentais são assentadas naqueles sete anos. Assim, por uma estranha coincidência, eu fui salvo dos meus pais - e, na ocasião em que cheguei a eles, eu já estava quase que por minha própria conta, já estava voando. Eu sabia que tinha asas. Eu sabia que não precisava da ajuda de ninguém para me fazer voar. Eu sabia que todo o céu era meu.
Nunca lhes pedi orientação e, se alguma orientação era dada a mim, eu sempre retrucava: "Isso é um insulto. Vocês acham que eu não posso decidir por mim mesmo? Eu compreendo que não há nenhuma má intenção em me dar orientação - quanto a isso sou agradecido -, mas vocês não compreendem uma coisa, que eu sou capaz de fazer por minha conta. Basta me darem uma chance de provar minha índole. Não interfiram.".
Naqueles sete anos, eu me tornei realmente um forte individualista: irredutível. Agora então, era impossível passar rasteira em mim.
Eu costumava passar pela loja do meu pai, porque a loja ficava na frente - atrás ficava a casa onde a família morava. Era assim na Índia: a casa e a loja eram juntas, de forma que a coisa era facilmente administrável. Eu costumava passar pela loja do meu pai com os olhos fechados.
Ele me perguntou: "Isso é estranho... Sempre que você passa pela loja para dentro de casa, ou vindo da casa" - eram apenas doze pés de espaço para passar - "você sempre mantém os olhos fechados. Que ritual você está praticando?".
Eu disse: "Eu estou simplesmente praticando, de modo que esta loja não me destrua como ela o destruiu. Não quero vê-la absolutamente; estou absolutamente desinteressado, totalmente desinteressado.". E ela era uma das mais belas lojas de roupas da cidade - as melhores fazendas estavam lá. Mas eu jamais olhava para o lado, eu simplesmente fechava os olhos e passava!
Ele disse: "Mas não faz mal abrir os olhos.".
Eu disse: "Nunca se sabe - a pessoa pode ficar distraída. Eu não quero ser distraído por coisa alguma.".
From misery to Light, #01
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Quando eu era bem pequeno, eu tinha cabelos compridos como uma menina. Na Índia, os meninos não têm cabelos compridos - pelo menos, naquela época não era permitido. Eu usava cabelos muito compridos e, sempre que eu entrava, e a entrada era pela loja... A casa ficava atrás da loja; assim, para entrar, eu tinha que passar pela loja. Meu pai estava lá, seus fregueses estavam lá e eles perguntavam: "Que menina é essa?". Meu pai olhava para mim e dizia: "O que fazer? Ele não ouve.". E ele ficava ofendido.
Eu disse: "Não precisa se ofender. Eu não vejo nenhum problema. Se alguém me chamar de menina ou de menino, isso é problema dele; que diferença faz para mim?".
Mas ele se ofendia por seu menino estar sendo chamado de menina. Simplesmente a idéia de menino e menina... Na Índia, quando um menino nasce, há gongos e bandas e canções, e são distribuídos doces em toda a vizinhança. E, quando nasce uma menina, nada acontece - nada. Sabe-se imediatamente que nasceu uma menina, porque nem gongos, nem sinos, nem banda, nenhum canto... - nada acontece, nenhuma distribuição de doces. Significa que nasceu uma menina. Ninguém virá perguntar nada, porque será ofensivo a você: você terá de responder que nasceu uma menina. O pai fica sentado com a face voltada para baixo... nasceu uma menina.
Então, ele disse: "Isso é esquisito. Eu tenho um menino e estou sofrendo como se tivesse uma menina.". Assim, certo dia, ele realmente ficou com raiva, porque o homem que tinha perguntado era um homem muito importante; ele era o coletor do distrito. Ele estava sentado na loja, e perguntou: "Que menina é essa? É esquisito: as roupas parecem ser de um menino - e com tantos bolsos e cheios de pedras!?".
Meu pai disse: "O que fazer? Ele é um menino, ele não é uma menina. Mas hoje eu vou cortar seus cabelos - chega!". Assim, ele veio com uma tesoura e cortou meu cabelo. Eu não disse nada. Fui até a loja do barbeiro, que era bem defronte da minha casa e lhe disse... Ele era um viciado em ópio, um belo homem, mas às vezes ele podia cortar metade de seu bigode e se esquecia da outra metade.
Você podia estar sentado na cadeira, com o avental ao redor do pescoço e ele ia embora; então, você o procuraria - onde ele está? Era difícil; ninguém sabia aonde ele tinha ido. E com metade do bigode, aonde você iria procurá-lo? Mas ele era o único de quem eu gostava, porque aquilo levava horas.
Ele contava mil e uma coisas, sem nenhuma relação com qualquer coisa no mundo. Eu adorava aquilo. Foi com aquele homem, Nathur - este era o seu nome - que eu aprendi como é a mente humana. Minha primeira conhecimento sobre o funcionamento da mente humana veio dele, porque ele não era um hipócrita. Ele dizia qualquer coisa que lhe viesse à cabeça; na verdade, entre sua mente e sua boca, não havia nenhuma diferença! - ele simplesmente falava fosse o que fosse que estivesse em sua cabeça. Se ele estivesse brigando com alguém na sua mente, ele começava a brigar em voz alta - e não havia ninguém lá. Eu era o único que não perguntava: "Com que você está brigando?". Assim, ele ficava muito feliz comigo, tão feliz que nunca me cobrou pelo corte de minhas unhas nem nada.
Naquele dia eu fui lá e lhe disse - nós o chamávamos de "Kaka", 'kaka' significa "tio": "Kaka, se você está no seu juízo, raspe minha cabeça.".
Ele disse: "Ótimo!" - ele não estava em seu juízo. Se estivesse, teria recusado, porque, na Índia, só se raspa a cabeça quando o pai morre; caso contrário, ele não é raspada. Ele tinha tomado uma boa dose de ópio e raspou minha cabeça completamente.
Eu disse: "Está bom.".
Eu voltei. Meu pai me olhou e disse: "O que aconteceu?".
Eu disse: "Que importa? Você cortou meu cabelo com a tesoura; ele cresceria outra vez. Eu acabei logo com isso. E Kaka aceitou - eu perguntei a ele. Ele disse que sim: 'Sempre que não houver nenhum freguês, você pode vir e eu raspo sua cabeça completamente, e não precisa pagar.'. Assim, não se preocupe. Eu sou freguês dele, de graça, porque ninguém o escuta - eu sou a única pessoa que o escuta.".
Meu pai disse: "Mas você sabe perfeitamente bem que, agora, isso vai criar mais problema!". E imediatamente um homem veio e perguntou: "O que aconteceu? O pai desse menino morreu!?".
Então, meu pai disse: "Olhe! Era melhor que você fosse uma menina. Agora eu estou acabado! Deixe seu cabelo crescer tão depressa quanto possa. Vá ao seu Kaka, aquele viciado em ópio, e pergunte-lhe se ele pode ajudar de algum modo; caso contrário isso vai criar mais problema para mim. A cidade toda virá aqui. Você vai ficar andando pela cidade e todos pensarão que seu pai está morto. Eles vão começar a vir aqui!". E eles começaram a vir mesmo.
Aquela foi a última vez que ele fez alguma coisa comigo. Depois desse incidente, ele disse: "Não vou fazer mais nada, porque vira problema maior.".
Eu disse: "Eu não tinha lhe perguntado nada - eu simplesmente vou continuar fazendo as minhas coisas. Você interferiu sem necessidade.".
From Ignorance to Innocence, #13
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Certo dia eu estava brincando - eu devia ter cinco ou seis anos de idade... Um homem costumava vir ver meu pai, um homem completamente aborrecido. E meu pai estava ficando cansado dele. Assim, ele me chamou e me disse: "Eu vejo que aquele homem está chegando: ele vai desperdiçar meu tempo sem necessidade e é muito difícil se livrar dele. Eu sempre saio e lhe digo: 'agora tenho um compromisso' - aí tenho de sair sem necessidade, só para fugir dele. E às vezes acontece de ele dizer: 'vou com você e, no caminho, batemos um papo'. E não há conversa nenhuma, é um monólogo. Ele fala, e tortura a gente.".
Assim, meu pai disse: "Eu vou lá para dentro. Você fica brincando lá fora. E quando ele chegar, você simplesmente diz a ele que seu pai saiu.".
E meu pai vivia me ensinando: "Nunca fale uma inverdade.". Assim, eu fiquei chocado. Isto era contraditório.
Assim, quando o homem chegou e me perguntou "onde está seu pai?", eu disse: "Ele está lá dentro, mas disse que saiu.".
Meu pai ouviu isso lá de dentro, e o homem entrou comigo; assim, ele não pôde dizer nada na frente dele. Quando o homem se foi, depois de duas ou três horas, meu pai estava realmente com raiva de mim, não do homem.
Ele disse: "Eu lhe disse para dizer a ele 'meu pai saiu'.".
Eu disse: "Exatamente, eu repeti a mesma coisa. Eu lhe disse a mesma coisa: 'Meu pai disse para dizer-lhe que saiu. Mas ele está lá dentro, a verdade é que ele está lá dentro.'. Você andou me ensinando a ser verdadeiro, fosse qual fosse a conseqüência. Assim, eu estou pronto para a conseqüência. E para a punição. Qualquer punição que você queira me dar, dê. Mas lembre-se: se a verdade é punida, a verdade é destruída. A verdade tem de ser recompensada. Dê-me uma recompensa; assim, eu posso continuar falando a verdade, aconteça o que acontecer.".
Ele me olhou e disse: "Você é engenhoso, hem!".
Eu disse: "Isso você já sabe. Simplesmente dê-me alguma recompensa. Eu falei a verdade.".
E ele teve de me dar uma recompensa; ele me deu uma rupia em nota. Naquele tempo, uma rupia era quase igual a vinte rupias hoje. Você podia viver com uma nota de uma rupia durante meio mês. E ele disse: "Vá e desfrute o que quer que queira comprar.".
Eu disse: "Você tem de se lembrar disso. Se me disser para dizer uma mentira, eu vou dizer à pessoa que você me disse para dizê-la. Eu não estou dizendo uma mentira. E a cada vez que você se contradiga, você terá de me recompensar. Assim, pare de mentir. Se você não quer aquele homem, você deve dizer a ele diretamente, que você não tem nenhum tempo e que não gosta da conversa aborrecida dele, porque ele diz as mesmas coisas repetidamente. Por que você tem medo? Por que você tem de dizer uma mentira?".
Ele disse: "A dificuldade é que ele é meu melhor freguês.".
Meu pai tinha uma bela loja de roupas e aquele homem era rico. Ele costumava comprar uma enorme quantidade de coisas para sua família, seus parentes, seus amigos. Ele era um homem muito generoso - seu problema era ser chato. Assim, meu pai disse: "Tenho de sofrer toda a chateação, porque ele é meu melhor freguês e eu não posso perdê-lo.".
Eu disse: "Isso é problema seu, isso não é problema meu. Então, você está mentindo, porque ele é seu melhor freguês, e eu vou dizer isso a ele.".
Ele disse: "Espere!".
Eu disse: "Eu não posso esperar, porque ele deve saber imediatamente, que você continua sofrendo toda a conversa chata dele, só porque ele é um bom freguês - e você terá de me dar alguma recompensa.".
Ele disse: "Você é muito difícil. Você está destruindo meu melhor freguês. E eu ainda terei de dar a você uma recompensa. Não faça isso.".
Mas eu fiz. E ganhei duas recompensas, uma daquele homem chato, porque eu lhe disse: "A verdade deve sempre ser recompensada; assim, dê-me alguma recompensa, porque eu estou destruindo um dos melhores fregueses de meu pai.".
Ele me abraçou e me deu duas rupias. E eu disse: "Lembre-se, não pare de comprar da loja do meu pai, mas não o chateie mais tampouco. Se o senhor quer conversar, fale com as paredes, com as árvores. O mundo todo está disponível. O senhor pode simplesmente se fechar no quarto e falar para si mesmo. E aí o senhor vai se chatear.".
E eu disse ao meu pai: "Não se preocupe. Olhe, uma rupia ganhei de você, duas rupias ganhei do seu freguês. Agora, mais uma rupia me é devida; você tem de me dar, porque eu disse a verdade. Mas não se preocupe. Eu o tornei um freguês melhor e ele nunca mais vai chateá-lo novamente. Ele me prometeu.".
Mais tarde meu pai disse: "Você fez um milagre!". Desde aquele dia, o homem nunca mais voltou, ou mesmo que viesse, ficava por um ou dois minutos, para dizer alô e ia embora. E ele continuou comprando da loja do meu pai.".
E ele disse a meu pai: "É por causa de seu filho que eu continuo. Caso contrário, eu teria ficado ofendido; mas esse garotinho conseguiu as duas coisas.
"Ele me fez parar de chateá-lo e me pediu, solicitou-me: 'Não pare de comprar da loja do meu pai. Ele depende de você.'. Eu lhe dei duas rupias e estava dizendo uma coisa tão chocante para mim! Ninguém jamais tinha ousado me dizer que eu estava aborrecendo alguém.".
Ele era o homem mais rico no vilarejo. Todo mundo, de algum modo, estava relacionado com ele. As pessoas tomavam dinheiro emprestado dele, tomavam terras emprestadas dele para trabalhar nela. Ele era o homem mais rico e o maior proprietário de terra no vilarejo. Todo mundo de um modo ou de outro devia obrigação a ele; dessa forma, ninguém era capaz de dizer a ele que ele era chato.
Assim, ele disse: "Foi um choque muito grande, mas era verdade. Eu sei que sou chato. Eu chateio a mim mesmo. Eu me chateio com os meus pensamentos. Eis por que eu vou até os outros para chateá-los, só para me afastar dos meus pensamentos. Se eu me chateio com meus pensamentos, eu sei perfeitamente bem que a outra pessoa ficará chateada, mas todos me devem um favor. Somente este menino não tem nenhuma obrigação e não tem medo das conseqüências. E ele está ousando. Ele pediu pela recompensa. Ele me disse: 'Se você não recompensar a verdade, está recompensando as mentiras'.".
Eis por que a sociedade está em estado tão louco. Todo mundo está lhe ensinando a ser verdadeiro, e ninguém o recompensa por ser verdadeiro. E, assim, eles criam a esquizofrenia.
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God Is Dead, Now Zen Is The Only Living Truth, # 7
Duas ou três quadras adiante da minha família, vivia uma família brâmanes, brâmanes muito ortodoxos. Os brâmanes cortam todo o cabelo, deixando apenas uma pequena parte em cima do sétimo chacra sem cortar; assim, essa parte vai crescendo. Eles vão trançando e mantendo-a dentro de seus bonés ou dentro de seus turbantes. E o que eu tinha feito era: eu tinha cortado o cabelo do pai daquela família. Na Índia no verão, as pessoas dormem do lado de fora da casa, na rua. Eles trazem suas camas, seus catres, para a rua. Toda a cidade dorme nas ruas à noite, é muito quente dentro de casa.
Assim, aquele brâmane estava dormindo - e eu não tive culpa... Ele tinha um choti tão comprido! Chama-se choti aquele feixe de cabelo. Eu nunca tinha visto aquilo, porque estava sempre escondido dentro do turbante. Enquanto ele estava dormindo, aquilo ficou dependurado e tocando a rua. Do seu catre, aquilo era tão comprido que eu fiquei tentado, não pude resistir: corri até em casa, trouxe uma tesoura, cortei aquilo completamente e levei e guardei no meu quarto.
De manhã, ele deve ter pensado que seu choti havia sumido. Ele não podia acreditar, porque toda a sua pureza estava naquilo, toda a sua religião estava naquilo - toda a sua espiritualidade fora destruída. Mas toda a vizinhança sabia que se algo sai errado... primeiro eles correm até mim. E ele foi imediatamente. Eu estava sentado do lado de fora, sabendo bem que ele viria de manhã. Ele me olhou. Eu também olhei para ele. Ele disse para mim: "O que você está olhando?".
Eu disse: "O que o senhor está olhando? A mesma coisa.".
Ele disse: "A mesma coisa!?".
Eu disse: "Sim. A mesma coisa. Diga o senhor o que é.".
Ele perguntou: "Onde está o seu pai? Não quero falar com você absolutamente.".
Ele entrou e trouxe meu pai para fora. Meu pai disse: "Você fez alguma coisa com este homem?".
Eu disse: "Eu não fiz nada a este homem, mas eu cortei um choti, que certamente não pertence a este homem, porque, quando eu estava cortando, o que ele estava fazendo? Ele podia ter impedido isso.".
O homem disse: "Eu estava dormindo!".
Eu disse: "Se eu cortar seu dedo enquanto o senhor estiver dormindo, o senhor acordaria ou continuaria dormindo?".
Ele disse: "Como eu poderia continuar dormindo, se alguém estivesse cortando meu dedo?".
Eu disse: "Isso certamente mostra que os cabelos estão mortos. Você pode cortá-los, mas uma pessoa não é ferida, não sai nenhum sangue. Assim, por que tanto barulho? Uma coisa morta estava dependurada lá... e eu pensei que o senhor estava desnecessariamente carregando dentro de seu turbante uma coisa morta, durante a vida toda - por que não aliviá-lo? Está no meu quarto. E com o meu pai eu tenho o contrato de falar a verdade.".
Assim, eu trouxe o choti dele e disse: "Se o senhor está tão interessado nisso, pode levá-lo de volta. Se é a sua espiritualidade, seu bramanismo, o senhor pode mantê-lo amarrado e dentro de seu turbante. Está morto de qualquer jeito - já estava morto quando estava lá, já era morto quando eu o cortei. O senhor pode mantê-lo dentro do seu turbante.".
E eu pedi ao meu pai: "Minha recompensa!" - na frente daquele homem.
Aquele homem disse: "De que recompensa, ele está falando?".
Meu pai disse: "Isso é um problema... Ontem ele me propôs um contrato que, se ele fala a verdade, e sinceramente... Ele não está apenas falando a verdade, ele está até dando a prova. Ele contou a história toda - e até tem lógica por trás dela, que aquilo era uma coisa morta; assim, por que se aborrecer com uma coisa morta? E ele não está escondendo nada.".
Ele me recompensou com cinco rupias. Naquele tempo, num pequeno vilarejo, cinco rupias era uma grande recompensa. O homem ficou louco com meu pai. Ele disse: "Você vai destruir esse filho. Você devia bater nele, ao invés de lhe dar cinco rupias. Agora, ele irá cortar os chotis de outras pessoas. Se ele ganha cinco rupias por choti, todos os brâmanes da cidade estão acabados, porque eles estão todos dormindo fora de casa, à noite; e, quando você está dormindo, você não pode ficar segurando seu choti nas mãos. E o que você está fazendo? - isso vai se tornar um precedente.".
Meu pai disse: "Mas este é meu contrato. Se você quiser puni-lo, isso é negócio seu: eu não entro nisso, não estou recompensando-o pela travessura, estou recompensando-o pela sua verdade - e durante toda a minha vida continuarei recompensando-o pela sua verdade. No que concerne à travessura, você é livre para fazer qualquer coisa com ele."
From Ignorance to Innocence, #14
Meu pai só me puniu uma vez, porque eu fui a uma feira, que acontecia algumas milhas adiante da minha cidade, todos os anos. Lá passava um dos rios sagrados dos hindus, o Narmada, e, à margem do Narmada, havia uma grande feira que durava um mês. Então, eu simplesmente fui, sem pedir a ele.
Acontecia tanta coisa na feira... Eu tinha ido somente por um dia e achava que estaria de volta à noite, mas aconteceram tantas coisas: mágicos, um circo, um peça... Não era possível voltar em um dia; assim, três dias... ...
A família toda ficou em pânico: aonde eu teria ido?!
Isso nunca tinha acontecido antes. No máximo, eu tinha voltado tarde da noite, mas eu nunca tinha ficado fora por três dias contínuos... E sem nenhum recado. Eles perguntaram na casa de cada amigo.
Ninguém sabia de mim e, no quarto dia, quando eu cheguei em casa, meu pai ficou realmente com raiva. Antes de me perguntar qualquer coisas, ele me estapeou. Eu não disse nada.
Eu disse: "Você quer me bater mais? Você pode, porque eu me diverti bastante nesses três dias. Você não pode bater mais do que eu me diverti; assim, pode me dar mais uns tapas. Isso vai aliviá-lo; e para mim é simplesmente um balancete. Eu me diverti muito.".
Ele disse: "Você é realmente impossível. Bater em você é insignificante. Você não se magoa com isso; fica pedindo mais! Você não pode fazer uma distinção entre punição e recompensa?".
Eu disse: "Não, para mim tudo é recompensa de alguma coisa. Há diferentes espécies de recompensa, mas tudo é uma recompensa de alguma espécie.".
Ele me perguntou: "Onde você esteve nesses três dias?".
Eu disse: "Isso você deveria ter me perguntado antes de me bater. Agora você perdeu o direito de me perguntar. Eu fui estapeado sem ser perguntado. Isso é um ponto final - feche o capítulo. Se você quisesse saber, deveria ter-me perguntado antes, mas você não tem nenhuma paciência. Bastava um minuto. Mas eu não vou mantê-lo preocupado em relação a onde eu estive; assim, eu lhe direi que fui à feira.".
Ele perguntou: "Por que não me pediu?".
Eu disse: "Porque eu queria ir. Seja verdadeiro: se eu tivesse pedido, você teria permitido? Seja verdadeiro.".
"Não." - ele respondeu.
Eu disse: "Isso explica tudo, por que eu não lhe pedi - porque eu queria ir e, então, teria sido mais difícil para você. Se eu tivesse pedido a você e você tivesse dito "não", eu ainda assim teria ido, e isso teria sido ainda mais difícil para você. Só para ficar mais fácil para você, eu não pedi, e fui recompensado por isso. E estou pronto para receber qualquer outra recompensa mais, que você queira me dar. Mas eu me diverti tanto naquela feira, que irei lá todos os anos. Assim, você pode... sempre que eu desaparecer, você já sabe onde estou. Não se preocupe.".
Ele disse: "Esta é a última vez que eu o puno: a primeira e a última vez. Talvez você esteja certo: se você realmente queria ir, então, esse era o único meio, porque eu não iria permitir sua ida mesmo. Naquela feira, acontece toda espécie de coisas: lá tem prostitutas, drogas; tóxicos são vendidos à vontade lá" - e, naquele tempo, na Índia, não havia nenhuma ilegalidade quanto às drogas, todas as drogas eram livremente vendidas. E numa feira, todas as espécies de monges se reuniam lá, e os monges hindus todos usam drogas. "Eu não teria lhe dado permissão de ir. E se você realmente queria ir, então, talvez você estivesse certo em não pedir.".
Eu lhe disse: "Mas eu não me importo com as prostitutas, nem com os monges nem com as drogas. Você me conhece: se eu estiver interessado em drogas, então, em qualquer cidade..." Bem ao lado da minha casa havia uma loja onde todas as drogas eram vendidas: "e o homem tem tanto medo de mim que não me pedirá nenhum dinheiro caso eu queira alguma droga. Assim, não há nenhum problema. As prostitutas estão disponíveis na cidade; se eu estiver interessado em ver suas danças, posso ir lá. Quem pode me impedir? Os monges vêm sempre na cidade. Mas eu estava interessado nos mágicos." ...
Assim, eu disse ao meu pai: "Eu estava interessado somente no mágico, porque todas as espécies de mágicos se juntam na feira , e eu realmente vi algumas coisas incríveis. Meu interesse é que eu quero reduzir milagres em mágica. A mágica está somente relacionada a truques - não há nada de espiritual nela - mas, se você não sabe o truque, então, certamente, aquilo parece ser um milagre.".
Eu fui punido, mas me diverti tanto com cada travessura, que nem conto aquelas punições, absolutamente. Elas foram nada.
Eu tenho uma certa afinidade com as mulheres, talvez seja por isso a travessura (mischief)[*] - se fosse Mister Chief ou Master Chief, talvez eu a tivesse evitado, mas Miss Chief!.
- a tentação é tanta que eu não podia evitar. Apesar de todas as punições, eu continuei. E ainda continuo.
[*] Osho faz um trocadilho entre a palavra ‘mischief’ e Miss Chief.
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From Ignorance to Innocence, #25
Eu tinha um constante problema na minha infância. Qualquer um que fosse mais velho, um parente distante - na Índia, você não conhece todos os seus parentes -, meu pai me dizia: "Toque os pés dele. Ele é um parente distante.".
Eu dizia: "Não posso tocar seus pés a menos que descubra algo respeitável nele.".
Assim, sempre que algum parente vinha, eles me persuadiam a sair: "Porque é muito embaraçoso. Nós lhe dizemos: 'respeite o velho'; e você diz: 'Vamos esperar. Deixe-me ver algo respeitável nele. Vou tocar-lhe os pés - mas sem saber, como esperam que eu possa ser honesto e verdadeiro?".
Mas estas não são as qualidades que a sociedade respeita. Sorria, honre, obedeça - quer esteja certo ou errado não importa. Você terá respeitabilidade. 1seed04
Na minha infância... havia muitas crianças na minha família. Eu mesmo tinha dez irmãos e irmãs; então, havia os filhos de um tio e outros filhos de outro tio... e eu via isso acontecendo: quem era obediente, era respeitado. Eu tive de decidir uma coisa para toda a minha vida - não somente para estar na minha família ou para a minha infância: se eu de algum modo desejar respeito, respeitabilidade, então, não poderei florescer como um indivíduo. Assim, desde a minha mais tenra infância eu abandonei a idéia de respeitabilidade.
Eu disse a meu pai: "Eu tenho de lhe fazer uma certa afirmação.".
Ele sempre ficava preocupado quando eu ia até ele, porque ele sabia que lá vinha problema. Ele disse: "Este não é o modo de uma criança falar a seu pai - 'Vou lhe fazer uma afirmação'!".
Eu disse: "É uma afirmação, através de você, para todo o mundo. Neste momento, o mundo todo não está disponível para mim; para mim, você representa o mundo todo. Não se trata de um assunto entre filho e pai; é um assunto entre um indivíduo e a coletividade, a massa. A afirmação é que eu já renunciei à idéia de respeitabilidade; assim, em nome da respeitabilidade, nunca me peça nada; caso contrário, farei exatamente o oposto.
"Eu não posso ser obediente. Isso não significa que eu sempre serei desobediente; simplesmente significa que será minha escolha obedecer ou não obedecer. Você pode solicitar, mas a decisão vai ser minha. Se eu sentir que minha inteligência apóia aquilo, eu o farei; mas isso não é obediência a você, é obediência à minha própria inteligência. Se eu sentir que não está certo, vou recusar. Sinto muito, mas você tem de compreender uma coisa claramente: a menos que eu seja capaz de dizer "não", meu "sim" não significa nada.".
E é isso que o que faz a obediência: ela o aleija - você não pode dizer "não", você tem de dizer "sim". Mas, quando um homem se torna incapaz de dizer "não", seu "sim" não significa nada; ele está funcionando como uma máquina. Você fez o homem virar um robô. Assim, eu disse a ele: "Esta é minha afirmação. Quer você concorde ou não, é uma questão sua; mas eu decidi e, sejam quais forem as conseqüências, vou seguir minha decisão.".
Este mundo é de tal forma...! Neste mundo, permanecer livre, pensar por conta própria, decidir com sua própria consciência, agir a partir da sua consciência se tornou quase impossível. Em todo lugar - na igreja, no templo, na mesquita, na escola, na universidade, na família... em todo lugar espera-se que você seja obediente.
Beyond Psychology, #4
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A confiança é simplesmente um amor muito purificado. Amor sem sexo, isso é confiança. Eles me amavam. Eu era o irmão mais velho e, na Índia, é tradicional que o irmão mais velho herde toda a propriedade da família, o dinheiro, tudo. Assim, o filho mais velho tem de ser treinado, preparado para todas as responsabilidades que serão dele mais cedo ou mais tarde. Ele será o cabeça da família, de uma associação familiar, e ele terá de administrá-la.
Naturalmente, eles me amavam. Eles fizeram o máximo para me fazer tão capaz, tão inteligente quanto possível. Eu os amava, porque não era somente amor da parte deles, mas respeito também - respeito pela minha individualidade.
Logo, logo, eles compreenderam que nada podia ser imposto a mim. Levou um pouco de tempo para compreenderem que eles tinham uma espécie diferente de criança; eles não podiam me impor nada. No máximo, eles poderiam persuadir, argumentar e, se eles pudessem me convencer de algo, eu o faria. Mas não podiam simplesmente ordenar e dizer: "Faça isso, porque sou seu pai.".
Deixei claro para eles, que eu não aceitaria ordem de ninguém. "Você pode ser meu pai, mas isso não quer dizer que você vai ser minha inteligência, minha individualidade, minha vida. Você me deu nascimento, mas isso não quer dizer que você me possui. Eu não sou uma coisa. Assim, se você quiser que eu faça algo, esteja preparado. Faça bem o seu trabalho de casa. Eu vou argumentar até o fim, até que eu seja convencido.".
Assim, em cada pequena coisa, eles reconheceram este fato: "é melhor propor uma coisa e deixá-lo decidir se ele quer fazer aquilo ou não; não adianta perder tempo à toa nem desnecessariamente importuná-lo e ser importunado por ele.". E devido a terem me dado toda liberdade, meu amor tornou-se confiança.
O amor se torna confiança, quando não é possessivo. Ele não o reduz a uma coisa. Ele aceita sua individualidade, sua liberdade, e tem todo o respeito por você, embora você seja apenas uma criança. O respeito deles para comigo tornou-se minha confiança em relação a eles. Eu sabia que eles eram pessoas em quem se pode confiar, que não me enganariam em nada.
E como eu confiei tanto - isto é um círculo -, como eu confiei muito, eles não podiam fazer nada nem dizer nada, que perturbasse minha confiança neles. Eles nunca me levaram ao templo, eles nunca me deram nenhuma religião. Eu cresci por minha conta, e eles me permitiram isso. Eles me protegeram de todos os modos possíveis, mas nunca interferiram comigo. E é isso o que todos os pais deveriam fazer.
Se essas três coisas forem as linhas diretrizes, nós teremos um mundo totalmente novo e um novo homem. Teremos indivíduos, não multidões, não massas. E cada indivíduo é tão único, que obrigá-lo a fazer parte da multidão é destruí-lo, destruir sua singularidade. Ele poderia ter contribuído imensamente para o mundo, mas isso seria possível somente se ele tivesse sido deixado sozinho - apoiado, ajudado, mas não dirigido.
Em toda parte agora existe uma fenda entre as gerações. Os pais são responsáveis por isso, porque eles tem tentado impor suas ideologias política, social, religiosa, filosófica - todas as espécies de coisas, eles ficam tentando impor a seus filhos.
The Last Testament, #12
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Meu pai... Sim, ele era um homem simples, exatamente como qualquer um. Assim também era Buda e assim era Mahavira e assim era Jesus - gente simples, gente inocente.
Ele não era de modo algum extraordinário; esse era seu extrato extraordinário. Eu o conheci desde a minha infância - tão simples, tão inocente, qualquer um podia enganá-lo.
Ele acreditava em qualquer pessoa. Vi muitas pessoas enganando-o, mas sua confiança era imensa; ele nunca desconfiava de seres humanos, embora ele fosse enganado muitas vezes. Era tão simples ver que as pessoas o estavam enganando, que até mesmo eu que era uma criança pequena dizia para ele: "O que você está fazendo? Este homem está simplesmente enganando você!".
Certa vez ele construiu uma casa e um empreiteiro o estava enganando. Eu lhe disse: "Esta casa não vai ficar de pé, vai cair, porque o cimento não está na proporção certa e a madeira que está sendo usada é muito pesada.". Mas ele não ouvia; ele dizia: "Ele é um bom homem, não pode nos enganar.".
E foi o que realmente aconteceu: a casa não conseguiu ficar de pé nas primeiras chuvas. Ele não estava lá, ele estava em Bombaim. Enviei-lhe um telegrama dizendo: "Aquilo que estive lhe dizendo, aconteceu: a casa caiu.". Ele só voltou quando tinha mesmo que voltar, depois de sete dias. Então, ele disse: "Por que gastou dinheiro à toa com o telegrama? A casa caiu, então pronto: caiu. O que posso fazer? O empreiteiro desperdiçou dez mil rupias e você desperdiçou quase dez rupias sem necessidade -poderia as ter economizado.".
E a primeira coisa que ele fez foi celebrar por não termos nos mudado para a casa - porque iríamos nos mudar para a nova casa em duas, três semanas. Ele celebrou: "Deus é misericordioso, ele nos salvou. Ele fez a casa cair antes de nos mudarmos para ela.". Assim, ele convidou todo o vilarejo. Todo mundo era simplesmente incapaz de compreender: "Isso é hora de celebrar!?". Até o empreiteiro foi convidado, porque ele tinha feito um bom trabalho: antes de nos mudarmos, a casa caiu.
Ele era um homem simples. E se você olhar lá no fundo, todo mundo é simples. A sociedade é que o torna complexo, mas você nasce simples e inocente. Todos nascem um buda; a sociedade os corrompe.
Be Still And Know, # 10
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voltar continua
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