Osho e o rio - precoces experiências espirituais
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A primeira coisa que meu pai me ensinou - e a única coisa que ele me ensinou - foi o amor pelo pequeno rio que corria ao lado da minha cidade. Ele me ensinou simplesmente isto: a nadar no rio. Foi tudo o que ele me ensinou, mas sou tremendamente grato a ele, porque isso trouxe muitas mudanças em minha vida. Exatamente como Sidarta, eu me apaixonei pelo rio. Sempre que penso no meu lugar de nascimento, não me lembro de nada, exceto do rio.
No dia em que meu pai morreu, eu só me lembrei do primeiro dia em que ele me levou à margem do rio para me ensinar a nadar. Toda a minha infância se passou num secreto caso de amor com o rio. Era minha rotina diária ficar com o rio, por pelo menos de cinco a oito horas. Das três horas da madrugada em diante eu já podia estar com o rio - o céu cheio de estrelas e as estrelas refletindo no rio. Era um belo rio; sua água é tão doce, que as pessoas o chamam de Shakar - 'shakar' quer dizer açúcar. Ele é um belo fenômeno.
Eu o via na escuridão da noite com as estrelas, com sua dança, seu curso em direção ao oceano. Eu o via com o sol nascente. Eu o via na lua cheia. Eu o via com o pôr-do-sol. Eu o via sentado à sua margem sozinho ou com amigos, tocando flauta, dançando na sua margem, meditando à beira dele, remando num barco sobre ele, nadando nele... Nas chuvas, no inverno, no verão...
Eu posso compreender o Sidarta de Herman Hesse e sua experiência com o rio. Aconteceu comigo: tanto transpirou entre nós, que lenta, lentamente, toda a existência tornou-se um rio para mim. Ela perdeu sua solidez: tornou-se líquida; fluida.
E sou imensamente agradecido a meu pai. Ele nunca me ensinou matemática, linguagem, gramática, geografia, história... Ele nunca foi muito interessado na minha instrução. Ele tinha dez filhos... Eu vi isto acontecer muitas vezes: as pessoas perguntavam: "Em que ano seu filho está estudando?" - e ele tinha de perguntar a alguém, porque ele não sabia. A única instrução que ele me deu, foi uma comunhão com o rio. Ele mesmo tinha profundo amor ao rio.
Sempre que você está apaixonado por coisas fluentes, coisas em movimento, você tem uma visão diferente da vida. O homem moderno vive em estradas de asfalto, construções de cimento e concreto. Tudo são substantivos, lembrem-se, não são verbos. Os arranha-céus não vão crescendo; a estrada permanece a mesma, seja dia ou noite, seja uma noite de lua cheia ou uma noite absolutamente escura. Isso não importa para a estrada de asfalto, não importa para as construções de cimento e concreto. O homem criou um mundo de substantivos e tornou-se enjaulado no seu próprio mundo. Ele se esqueceu do mundo das árvores, do mundo dos rios, do mundo das montanhas e das estrelas. Lá não se conhece nenhum substantivo - só se conhece verbos. Tudo é um processo.
Deus não é uma coisa, mas um processo.
The Dhammapada, V5, # 3
Durante minha infância, eu sempre ia de manhã cedo para o rio. Era um pequeno vilarejo. O rio era muito, muito preguiçoso, como se não estivesse se movimentando. E de manhã, quando o sol ainda não havia surgido, você não podia ver se ele estava em movimento - ele é um rio muito preguiçoso e silencioso. E de manhã, quando não havia ninguém, os banhistas ainda não tinham chegado, ele era tremendamente silencioso. Até os pássaros ainda não estavam cantando àquela hora da manhã - nenhum som, só uma ausência de som permeando tudo. E o cheiro das mangueiras ao longo de todo o rio...
Eu sempre ia até o mais distante canto do rio, só para me sentar, só para estar ali. Não havia nenhuma necessidade de fazer qualquer coisa, bastava estar ali, era uma experiência tão linda estar ali! Eu tomava um banho, nadava e, quando o sol surgia, eu ia até a outra margem, para a vasta extensão de areia, e me secava lá sob o sol, e ficava deitado lá. E, às vezes, até dormia.
Quando eu voltava, minha mãe perguntava: "O que você andou fazendo a manhã toda?". Eu dizia: "Nada" - porque realmente eu não tinha estado fazendo nada. E ela dizia: "Como é possível isso? Durante quatro horas você não esteve fazendo nada!? Você deve ter feito alguma coisa!". E ela estava certa, mas eu também não estava errado.
Eu não estava fazendo nada absolutamente. Eu estava apenas lá com o rio, sem fazer nada, permitindo as coisas acontecerem. Se eu sentia vontade de nadar - lembre-se, se eu sentisse vontade de nadar - eu nadava, mas isso não era um fazer da minha parte, eu não estava forçando nada. Se eu sentia vontade de dormir, eu dormia. As coisas estavam acontecendo, mas não havia nenhum fazedor. E minhas primeiras experiências de satori começaram perto do rio: não fazendo nada, simplesmente estando ali, milhões de coisas aconteciam.
Mas ela insistia: "Você deve ter estado fazendo alguma coisa!". Então, eu dizia: "Está bem, tomei um banho e me sequei ao sol." - e então ela ficava satisfeita. Mas eu não ficava, porque o que acontecia lá no rio não pode ser expresso por palavras: "tomei um banho" - parece tão pobre e pálido! Brincar com o rio, boiar no rio, nadar no rio, era tudo uma experiência tão profunda! Dizer simplesmente "eu tomei um banho", não dá corresponde àquilo; ou simplesmente dizer "eu fui lá, dei uma caminhada na margem, sentei-me lá", não quer dizer nada.
Mesmo na vida comum, você sente a futilidade das palavras. E se você não sente a futilidade das palavras, isso mostra que você não tem estado vivo, absolutamente - mostra que você tem vivido muito superficialmente. Se tudo o que você esteve vivendo pode ser dito em palavras, isso quer dizer que você não viveu absolutamente.
Quando pela primeira vez alguma coisa começa a acontecer, algo que esteja além das palavras, então a vida lhe aconteceu, a vida bateu à sua porta. E quando o supremo bate à sua porta, você simplesmente vai para além das palavras - você fica mudo, não pode dizer nada; nem uma única palavra é formulada internamente. E seja o que for que você diga, parecerá tão pálido, tão morto, tão insignificante, sem nenhum significado, que parece que você está fazendo uma injustiça com a experiência que lhe aconteceu.
Tantra: The Supreme Understanding, # 1
Minha experiência na infância era... o rio da minha cidade durante a cheia - ninguém costumava atravessá-lo a nado quando havia cheia. Ele era um rio montanhoso. Comumente, ele era um rio pequeno, mas, na época das chuvas, ele tinha no mínimo uma milha de largura. A correnteza era tremenda; não se podia ficar parado dentro dele. A água era profunda, não se podia ficar de pé de modo algum.
Eu adorava aquilo, eu esperava pela estação das chuvas, porque ela sempre ajudava... chegava um momento em que eu sentia que estava morrendo, porque eu estava cansado e não podia ver a outra margem, e as ondas eram altas e a correnteza era forte... e não havia nenhum modo de voltar, porque, agora então, a outra margem estava muito distante. Talvez eu estivesse bem no meio, igualmente distante dos dois lados. Eu me sentia tão completamente cansado e a água me afundava com tamanha força, que chegava uma hora em que eu via: "Agora não há mais jeito de continuar vivo.". E esse era o momento em que eu, de repente, me via acima da água e meu corpo dentro da água. Quando isso aconteceu pela primeira vez, foi uma experiência muito amedrontadora. Pensei que tinha morrido. Eu tinha ouvido que quando você morre, a alma sai do corpo. "Então eu saí do corpo e estou morto!". Mas eu podia ver que o corpo ainda tentava alcançar a outra margem; então, eu segui o corpo.
Essa foi a primeira vez que tomei ciência da conexão entre o ser essencial e o corpo. A conexão se dá bem abaixo do umbigo - duas polegadas abaixo do umbigo - por algo como um fio, um cordão prateado. Ele não é material, mas brilha como prata. Sempre que alcançava a outra margem, no momento em que chegava, meu ser entrava no corpo. A primeira vez foi assustador; depois, tornou-se um grande entretenimento.
Quando contei a meus pais, eles disseram: "Um dia você vai morrer no rio! Isso é um aviso. Pare de entrar no rio quando ele estiver na cheia.".
Mas eu disse: "Estou estou gostando muito... a liberdade, nenhuma força de gravidade, e poder ver o próprio corpo completamente distante!" ...
A mesma experiência aconteceu no rio muitas vezes; assim, não havia o que temer. Acontecia automaticamente: quando o corpo chegava na margem, meu ser entrava no corpo. Eu não tinha nenhuma idéia de como entrar no corpo; sempre aconteceu por conta própria.
The Transmission of the Lamp, # 3
Na época da minha infância, eu costumava levar meus amigos ao rio. Havia um pequeno caminho ao lado do rio. Caminhar naquela beira era muito perigoso: bastava um passo dado sem consciência e você cairia no rio. E aquele era o lugar onde o rio era mais fundo. Ninguém passava por ali, mas esse era meu ponto mais querido. E eu levava todos os meus amigos para virem comigo, para andar naquela borda estreita. Muito poucos tiveram coragem para ir comigo por ali, mas esses poucos tiveram uma bela experiência. Eles todos relatavam: "É estranho, como a mente pára!".
Eu também levava meus amigos à ponte da estrada de ferro para, de lá, pularmos no rio. Era perigoso, certamente perigoso. Era proibido. Havia sempre um policial parado na ponte da estrada de ferro, porque aquele era o lugar de onde as pessoas costumavam cometer suicídio. Nós tínhamos de subornar o policial: "Nós não vamos cometer suicídio, viemos apenas para nos divertir com o salto!". E aos poucos ele se tornou ciente de que éramos sempre as mesmas pessoas - ninguém morria, todos voltam de novo, ninguém estava interessado em suicídio. Na verdade, ele começou a gostar de nós e parou de receber o suborno. Ele disse: "Podem pular - não vou olhar para esse lado. Quando quiserem, podem vir.".
Era perigoso. A ponte era muito alta e pular de lá... e antes de você chegar no rio, havia um tempo no meio - o intervalo entre a ponte e o rio - em que a mente, de repente, parava. Aqueles foram meus primeiros vislumbres de meditação; eis como eu me tornei cada vez mais e mais interessado em meditação. Eu comecei a investigar como aqueles momentos poderiam se tornar disponíveis sem se ir para as montanhas, para o rio, para as pontes; como a pessoa pode se permitir entrar nesses espaços sem ir a lugar nenhum, só fechando os olhos. Uma vez que você tenha tido a experiência, não é difícil.
Tao, The Golden Gate, V2, #8
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