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Os anos mais belos 

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        Novamente me recordo do pequeno vilarejo em que nasci. Em primeiro lugar, é inexplicável por que a existência teria escolhido aquela pequena vila; foi o que deveria ser. A vila era bela. Viajei por toda a parte, mas nunca me deparei com a mesma beleza. Nunca se volta para o mesmo; as coisas vêm e vão, mas nunca é o mesmo.
 
        Ainda posso ver aquela vila pequena, tranqüila. Apenas algumas cabanas próximas a uma lagoa e algumas árvores altas, onde eu costumava brincar. Não havia escola na vila, e isso é de grande importância, pois fiquei sem receber educação por quase nove anos, e esses são os anos mais importantes em nossa formação. Depois deles, mesmo que você tente, não poderá ser educado. Assim, de certa forma, ainda permaneço sem educação, embora tenha muitos diplomas... – qualquer pessoa sem educação pode consegui-los. E não um diploma qualquer, mas um título de mestrado de primeira classe – isso também pode ser conseguido por qualquer tolo. Tantos tolos o conseguem todos os anos, que isso não tem significado. O importante é que nos meus primeiros anos permaneci sem receber educação. Não havia escolas, rodovias, estradas de ferro, correios... Que bênção! Aquele pequeno vilarejo era um mundo em si mesmo. Mesmo nas vezes que estive fora daquele vilarejo, permaneci naquele mundo, sem educação.
 
           E aquela vila ainda continua inalterada. Nenhuma estrada se liga a ela, nenhuma estrada de ferro passa por ali, mesmo agora depois de quase cinqüenta anos: nenhum correio, delegacia, médico... Na verdade, ninguém fica doente naquela vila; ela é tão pura e despoluída... Conheci pessoas ali que nunca viram um trem, que ficam imaginando como ele pode ser, que nem mesmo viram um ônibus, ou um carro. Elas nunca saíram da vila, e vivem tão bem-aventurada e silenciosamente...
 
        A cidade onde nasci, Kuchwada, era um vilarejo sem estrada de ferro e sem correio. Havia pequenas colinas, ou melhor, outeiros. Mas havia um belo lago e algumas cabanas, cabanas de palha. A única casa de tijolos era aquela em que nasci. E também não era uma grande casa de tijolos. Ela era uma casa pequena .
 
        Posso vê-la agora, e descrever todos os seus detalhes... Porém, mais do que da casa ou do vilarejo lembro-me das pessoas. Já encontrei milhões de pessoas, mas as daquele vilarejo eram mais inocentes do que quaisquer outras, pois eram muito primitivas; elas nada sabiam do mundo, e nem mesmo um único jornal jamais entrou naquele vilarejo. Agora vocês podem entender por que não havia nenhuma escola, nem mesmo uma escola primária... Que bênção! Nenhuma criança moderna pode ter esse luxo.
 
        Permaneci sem educação durante aqueles anos, e eles foram os anos mais belos... 
 
        Kuchwada,  cercada pelas pequenas colinas e aquela pequena lagoa. Ninguém poderia descrever aquela lagoa, exceto Basho. Mesmo ele não descreve a lagoa, ele simplesmente diz: 
 
                A velha lagoa
                O sapo pula dentro
                Plop!
 
        O som dos sapos pulando realmente ajudava o silêncio reinante. Aquele som tornava o silêncio mais rico, mais significativo.
 

        Não sou um Basho, e aquele vilarejo precisava de um Basho. Talvez ele fizesse belos desenhos, pinturas e haicais... eu nada fiz em relação àquele vilarejo – e vocês perguntarão pelo motivo – e nem mesmo o visitei novamente. Uma vez é suficiente. Nunca vou duas vezes ao mesmo lugar; para mim, o número dois não existe. Deixei muitas vilas e cidades para nunca retornar. Uma vez partido, partido para sempre, esse é o meu estilo; assim, não retornei àquele vilarejo. Os aldeãos me mandaram mensagens para eu ir pelo menos mais uma vez, e eu lhes disse através de um mensageiro: “Já estive aí uma vez, e duas vezes não é o meu estilo.”.
 
        Mas o silêncio daquela antiga lagoa permanece comigo... 

Glimpses Of A Golden Childhood, # 1

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