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O avô paterno de Osho, Baba


        Meu avô paterno amava muito. Ele era velho, muito velho, mas permaneceu ativo até o último suspiro. Ele amava a natureza quase que demais. Ele morava numa fazenda bem distante. De vez em quando, ele vinha à cidade, mas ele jamais gostou dela. Sempre gostou do mundo selvagem, onde ele vivia.

        De vez em quando eu ia com ele e ele sempre gostava quando havia alguém para massagear seus pés. Ele estava ficando tão velho e trabalhando tanto! Então, eu massageava seus pés. Mas eu lhe disse: "Lembre-se: eu não tenho nenhuma responsabilidade. Não tenho responsabilidade com ninguém no mundo. Eu o amo e vou massagear seus pés, mas só até o ponto em que não se torne maçante para mim. Assim, quando eu parar, nunca me peça para fazer um pouco mais. Eu não farei. Estou fazendo isso pela minha alegria, não porque você é meu avô. Poderia fazer o mesmo por qualquer mendigo, qualquer estranho, só por amor.".

        Ele compreendeu. Ele disse: "Eu nunca pensei que responsabilidade e amor fossem duas coisas. Mas você está certo. Quando estou trabalhando no campo, eu sempre sinto que estou fazendo aquilo para meus filhos e para os filhos deles, como um dever. Isso pesa no meu coração. Mas eu vou tentar mudar esta atitude de responsabilidade. Posso estar muito velho para mudar, pois isso tornou-se uma idéia fixa na minha cabeça. Mas vou tentar mudar.".

        Eu lhe disse: "Não há nenhuma necessidade. Se você sentir que está virando uma carga, você já fez o bastante. Descanse. Não há nenhuma necessidade de continuar trabalhando, a menos que você goste do céu aberto, do campo verde e ame essas árvores e esses pássaros. Se você estiver fazendo isso por alegria e ama seus filhos e quer fazer alguma coisa para eles, somente então continue. Caso contrário, pare.".

        Embora ele fosse bem velho, alguma coisa sincronizou-se entre mim e ele. Isso nunca aconteceu com nenhum outro membro da minha família. Nós éramos grandes amigos. Eu era o mais novo da família e ele o mais velho, exatamente duas polaridades. E todo mundo da casa ria: "Que espécie de amizade é essa!? Vocês riem juntos, fazem piada um com ooutro, brincam um com o outro, correm atrás um do outro! E ele é tão velho e você é tão novo! E você não se comunica do mesmo modo com mais ninguém, nem ele se comunica do mesmo modo com mais ninguém.".

        Eu disse: "Alguma coisa aconteceu entre nós. Ele me ama e eu o amo. Agora não é mais uma questão de algum relacionamento; nem eu sou seu neto, nem ele é meu avô. Somos apenas amigos: um é velho e o outro é novo.". 

Sat, Chit, Anand, # 30

        

        Meu avô não era um homem religioso, absolutamente não. Ele estava mais perto de Zorba, o Grego: Coma, beba, divirta-se! Não há nenhum outro mundo, é tudo absurdo!

        Meu pai era um homem muito religioso; talvez fosse por causa de meu avô - a reação, o choque de gerações. E, sempre que meu pai ia ao templo, meu avô ria e dizia: "De novo! Vá, perca sua vida em frente daquelas estátuas estúpidas!".

        Eu amo Zorba por muitas razões; uma das razões é que em Zorba eu encontrei meu avô novamente. Ele gostava tanto de comida, que não confiava em ninguém: ele mesmo a preparava. Na minha vida, fui hóspede de milhares de famílias na Índia, mas nunca provei nada tão delicioso como a comida de meu avô. E ele gostava tanto, que toda semana era um banquete para todos os seus amigos - e ele ficava na preparação o dia todo.

        Minha mãe e minhas tias e os empregados e os cozinheiros - todos eram tirados da cozinha. Quando meu avô estava cozinhando, ninguém o perturbava. Mas ele era muito amigável comigo: ele permitia que eu assistisse e dizia: "Aprenda, não dependa dos outros. Só você conhece o seu paladar. Quem mais pode conhecê-lo?".

        Eu disse: "Isso está além de mim; sou muito preguiçoso, mas posso olhar. O dia todo cozinhando!? Eu não posso fazer isso!". Assim, eu não aprendi nada, mas simplesmente olhar era uma alegria - o jeito como ele cozinhava, quase como um escultor ou um músico ou um pintor. Cozinhar não era apenas cozinhar, era uma arte para ele. E quando alguma coisa ficava um pouco abaixo do seu padrão, ele jogava fora imediatamente e cozinhava tudo de novo. E eu dizia: "Está perfeitamente bom!".

        Ele dizia: "Você sabe que não está perfeitamente bom, está apenas bom. Mas eu sou um perfeccionista. Até que chegue ao meu padrão, não vou oferecer para ninguém. Eu amo minha comida.".

        Ele fazia muitas espécies de bebidas também. Mas fosse o que fosse que ele fizesse, a família toda ficava contra ele. Eles diziam que ele era uma praga. Ele não permitia ninguém na cozinha e, de noite, juntava todos os ateus da cidade. E só para opor-se ao jainismo, ele esperava até pôr-do-sol. Ele não comia antes, porque o jainismo diz: coma antes do pôr-do-sol; depois do pôr-do-sol, não é permitido comer. Ele me mandava repetidamente ver se o sol já tinha se posto ou não.

        Ele aborrecia a família toda. E eles não podiam ficar com raiva dele - ele era o chefe da família, o homem mais velho -, mas ficavam com raiva de mim. Isso era mais fácil. Eles diziam: "Por que você vem a toda hora ver se o sol já se pôs, ou não!? Aquele velho está fazendo você ficar perdido também, completamente perdido!".


        Eu fiquei muito triste, porque eu só descobri o livro Zorba, o Grego, quando meu avô estava morrendo. A única coisa que eu sentia diante de sua pira funerária era que ele teria adorado aquele livro, se eu o tivesse traduzido e lido para ele. Eu li muitos livros para ele. Ele não tinha instrução. Ele podia apenas assinar o nome, isso era tudo. Não podia nem ler nem escrever - mas ele tinha muito orgulho disso.

        Ele dizia: "Foi bom meu pai não ter me obrigado a ir para a escola; caso contrário, ele teria me corrompido. Esses livros corrompem tanto as pessoas!". Ele me dizia: "Lembre-se, seu pai está corrompido, seus tios estão corrompidos; eles ficam lendo continuamente os livros religiosos, as escrituras, e isso é tudo bobagem. Enquanto eles estão lendo, eu estou vivendo; e é bom saber através do viver.".

        Ele me dizia: "Eles vão mandá-lo para a universidade - eles não me ouvem. E eu não posso ser de muita ajuda, porque se seu pai e sua mãe insistirem, eles o mandarão para a universidade. Mas cuidado: não se perca nos livros.".

        Ele desfrutava pequenas coisas. Eu lhe perguntei: "Todo mundo acredita em Deus, por que você não acredita, baba? - esta é a palavra para avô (paterno) na Índia.

        Ele disse: "Porque eu não tenho medo.".

        Uma resposta muito simples: "Por que eu deveria ter medo? Não há necessidade de se ter medo: eu não fiz nada de errado, não feri ninguém. Eu simplesmente vivi a minha vida alegremente. Se há algum Deus, e eu o encontrar alguma vez, ele não pode ficar com raiva de mim. Eu ficarei com raiva d'ele: 'Porque você criou este mundo!? - esta espécie de mundo!?'. Eu não tenho medo.". 

From Ignorance To Innocence, # 16

 

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