Os avós de Osho, Nani e Nana
A maior parte da minha infância eu vivi com os pais de minha mãe. Aqueles anos foram inesquecíveis. Mesmo que eu chegue ao paraíso de Dante, eu ainda me lembrarei daqueles anos. Um pequeno vilarejo, gente pobre, mas meu avô – quero dizer o pai de minha mãe – era um homem generoso. Ele era pobre, mas rico em sua generosidade.
Ele dava a cada um e a todos tudo o que tinha. Eu aprendi a arte de dar com ele – tive de aceitar aquilo. Eu jamais o vi dizer “não” a nenhum mendigo ou a qualquer pessoa.
Eu chamava o pai de minha mãe de “Nana” – é assim que o pai da mãe é chamado na Índia. A mãe de minha mãe é chamada de “Nani”. Eu costumava perguntar ao meu avô: “Nana, onde você arranjou uma esposa tão bela?”.
Minha avó parecia mais grega do que indiana... Talvez houvesse algum sangue grego nela. Nenhuma raça pode proclamar-se pura. Os indianos especialmente não devem proclamar nenhuma pureza de sangue – os hunos, os mongóis, os gregos e muitos outros atacaram, conquistaram e governaram a Índia. Eles se misturaram no sangue indiano, e isso era muito visível na minha avó. Seus traços não eram indianos, ela parecia uma grega, e era uma mulher forte, muito forte. Meu Nana morreu quando ainda não tinha mais do que cinqüenta anos. Minha avó viveu até os oitenta e era cheia de saúde.
Mesmo então, ninguém pensava que ela ira morrer. Eu havia lhe prometido uma coisa, que, quando ela morresse, eu viria vê-la e que aquela seria minha última visita à família. Ela morreu em 1970. Eu tinha de cumprir minha promessa. Na tenra infância, eu conheci minha Nana como se fosse minha mãe – esses são os anos em que a pessoa se desenvolve. Esta reminiscência é para minha Nani. Minha própria mãe vem depois – eu já estava crescido, já tinha sido formado num certo estilo. E minha avó me ajudou imensamente. Meu avô me amava, mas não podia ajudar muito. Era muito amoroso, mas para ser de ajuda é necessário mais – uma certa espécie de força. Ele estava sempre com medo de minha avó.
Ele era, em certo sentido, um marido dominado. Quando chega a hora da verdade, sou sempre verdadeiro. Ele me amava, ele me ajudava... – mas o que posso fazer se ele era um marido dominado? Noventa e nove por cento dos maridos o são; então, está bem assim.
Glimpses of A Golden Childhood, #02
Isto também vale a pena anotar: que há noventa anos atrás, na Índia, Nani teve a coragem de se apaixonar. Ela ficou sem se casar até a idade de vinte e quatro anos. Isso era muito raro. Eu lhe perguntei uma vez por que ela havia permanecido sem se casar por tanto tempo. Ela era uma mulher tão linda! Uma vez lhe disse brincando que até o rei de Chatarpur, o estado onde fica Khajuraho, deve ter se apaixonado por ela.
Ela disse: “É estranho você falar disso, porque ele ficou mesmo. Eu o recusei – não somente ele, mas muitos outros também.”. Naqueles dias, na Índia, as moças eram casadas quando tinham sete ou no máximo nove anos de idade. Puro medo do amor... Se elas ficassem mais velhas, poderiam se apaixonar. Mas o pai de minha avó era um poeta; suas canções ainda são cantadas em Khajuraho e nas cidades vizinhas. Ele insistia que, a menos que ela concordasse, ele não a casaria com ninguém. Quando a chance surgiu, ela se apaixonou pelo meu avô.
Eu lhe perguntei: “Isso é ainda mais esquisito: você recusou o rei de Chatarpur e, contudo, se apaixonou por esse homem pobre. Para quê? Ele não era certamente um homem belo, nem extraordinário de algum outro modo; por que se apaixonou por ele?”.
Ela me respondeu: “Você está fazendo a pergunta errada. Apaixonar-se não tem nenhum por quê, e foi assim que foi. Eu vi seus olhos e uma confiança surgiu em mim, confiança que jamais oscilou.”.
Eu também perguntei a meu avô: “Nani diz que se apaixonou por você. Tudo bem para ela; mas por que você permitiu que o casamento acontecesse?”.
Ele disse: “Eu não sou um poeta nem um pensador, mas posso reconhecer a beleza quando a vejo.”.
Eu nunca vi nenhuma mulher mais bela que minha Nani. Eu mesmo era apaixonado por ela, e a amei durante toda a sua vida...
Sou afortunado de muitos modos, mas fui mais afortunado por ter tido meus avós maternos... e aqueles primeiros anos dourados.
Glimpses of A Golden Childhood, #06
Nana ia ao templo todas as manhãs, ainda assim, ele nunca disse “venha comigo”. Ele nunca me doutrinou. E isso é fantástico... não doutrinar. É tão humano forçar uma criança indefesa a seguir as suas crenças. Mas ele permaneceu sem essa tentação – sim, chamo isso de a maior tentação. No momento em que você vê alguém dependente de você de alguma maneira, você começa a doutrinar. Ele nunca me disse “você é um jainista”.
Lembro-me perfeitamente – foi na época em que estavam fazendo o censo. O funcionário veio para a nossa casa e fez muitas perguntas sobre muitas coisas. Perguntaram sobre a religião de meu avô, e ele disse: “Jainismo.”. Então perguntaram sobre a de minha avó, e o meu nana disse: “Pergunte-lhe você mesmo, pois religião é um assunto privado. Eu mesmo nunca perguntei a ela.”. Que homem!
Minha avó respondeu: “Não acredito em religião nenhuma. Para mim, todas elas parecem infantis.”. O funcionário ficou chocado, e mesmo eu fiquei surpreso. Ela não acredita em absolutamente nenhuma religião! Na Índia, é impossível encontrar uma mulher que não acredite em alguma religião. Mas ela nasceu em Khajuraho, talvez numa família de tântricos que nunca tenha acreditado em qualquer religião. Eles praticavam meditação, mas nunca acreditaram em nenhuma religião.
Isso soa muito ilógico para uma mente ocidental: meditação sem religião!? Sim... na verdade, se você acredita em alguma religião, você não pode meditar. A religião é uma interferência em sua meditação. A meditação não precisa de Deus, de céu, de inferno, do medo da punição e da tentação do prazer. Meditação nada tem a ver com a mente, está além da mente, ao passo que a religião é apenas mente, está dentro da mente.
Sei que nani nunca foi ao templo, mas ela me ensinou um mantra, que lhes revelarei pela primeira vez. É um mantra jainista, mas nada tem a ver com os jainistas como tais. É apenas acidental que ele esteja relacionado ao jainismo...
É uma das frases mais significativas que já encontrei em toda a minha vida. É estranho que ela me tenha sido dada por minha avó quando eu era pequeno. Quando eu a explicar para vocês, vocês também perceberão a sua beleza. Somente ela foi capaz de dá-la a mim. Não conheço ninguém mais que tivesse a coragem de realmente proclamá-la, embora todos os jainistas a repitam em seus templos; mas repetir é uma coisa, e concedê-la a alguém que você ama é totalmente uma outra coisa.
“Toco os pés de todos aqueles que conheceram” – ...sem qualquer distinção se são hindus, jainistas, budistas, cristãos, muçulmanos... O mantra diz “toco os pés de todos aqueles que conheceram”. Esse é o único mantra, pelo que eu saiba, que é absolutamente não-sectário.
Esse mantra foi a única coisa religiosa, se vocês puderem chamá-la de religiosa, dada a mim pela minha avó – também, não pelo meu avô, mas pela minha avó... pois uma noite lhe pedi. Numa noite ela disse: “Parece que você está acordado. Você não consegue dormir? Está planejando a travessura de amanhã?”.
Eu disse: “Não, mas de alguma forma tem uma questão surgindo em mim. Todo mundo tem uma religião, e quando as pessoas me perguntam: ‘Qual é a sua religião?’, eu encolho os ombros. Ora, encolher os ombros certamente não é uma religião, então quero lhe perguntar, o que eu deveria dizer?”.
Ela disse: “Eu própria não pertenço a nenhuma religião, mas adoro esse mantra, e isso é tudo o que posso lhe dar – não porque ele seja tradicionalmente jainista, mas somente porque conheci a sua beleza. Eu o repeti milhões de vezes, e sempre encontro uma paz imensa... apenas a sensação de tocar os pés de todos aqueles que conheceram... Posso lhe dar esse mantra; mais do que isso não é possível para mim.”.
Agora posso dizer que aquela mulher era realmente notável, pois no que diz respeito à religião, todos estão mentindo: os cristãos, os judeus, os jainistas, os muçulmanos – todos estão mentindo. Todos eles falam de Deus, de céu e inferno, de anjos e de todos os tipos de tolices, e sem conhecerem absolutamente coisa alguma. Ela era notável, não porque conhecia, mas porque era incapaz de mentir para uma criança. Ninguém deveria mentir – pelo menos para uma criança isso é imperdoável.
Durante séculos, as crianças foram exploradas, e isso simplesmente por estarem propensas a confiar. Muito facilmente pode-se mentir para elas, e elas confiarão. Se você for um pai ou uma mãe, elas acharão que você inevitavelmente será verdadeiro.
É por isso que toda a humanidade vive na corrupção, numa lama espessa, muito escorregadia; uma lama espessa, feita de mentiras que foram ditas, durante séculos, às crianças.
Se pudermos fazer apenas uma coisa, uma coisa simples: não mentir para as crianças e confessar-lhes nossa ignorância, então, seremos religiosos e as colocaremos no caminho da religião. As crianças são somente inocência; não legue a elas o seu pretenso conhecimento. Mas você mesmo, primeiro, deve ser inocente, deve não mentir, deve ser verdadeiro, mesmo que isso despedace o seu ego – e ele irá se despedaçar. Ele está fadado a se despedaçar.
Glimpses of A Golden Childhood, #05